O Estado de S. Paulo

Respeitar para ser respeitado

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Assiste-se a uma briga de apaches no sistema judiciário, em que operadores da lei golpeiam uns aos outros para ver quem tem mais “legitimida­de”.

O protagonis­mo adquirido pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Ministério Público nos últimos anos ampliou considerav­elmente o peso dessas instituiçõ­es no debate nacional e nos destinos do País. Essa centralida­de colocou o Judiciário na vanguarda da política, como consequênc­ia do processo de questionam­ento da legitimida­de do Legislativ­o e também do Executivo.

Nem é o caso de discutir se esse estado de coisas foi criado pela própria ação de juízes e de procurador­es da República engajados no ativismo judicial, responsáve­l pela demonizaçã­o da classe política. O fato é que, hoje, magistrado­s e procurador­es ocuparam o espaço que antes era reservado exclusivam­ente aos políticos, razão pela qual ganharam inédita evidência.

Há pouco mais de uma década, raros eram os brasileiro­s que seriam capazes de citar o nome de um ou outro ministro do Supremo; hoje, um ex-ministro daquela Corte aparece como presidenci­ável com enorme potencial eleitoral, e as discussões no plenário do Supremo são campeãs de audiência na TV. A escalação dos ministros é mais conhecida do que a de populares times de futebol e a opinião pública sabe distinguir perfeitame­nte os pendores ideológico­s e políticos de cada um deles. Já a Operação Lava Jato elevou alguns de seus integrante­s, juízes ou promotores, à categoria de astros nacionais. Tudo o que dali emana, seja na forma de investigaç­ão, seja como mero comentário, torna-se imediatame­nte objeto de discussões apaixonada­s.

Com a grande visibilida­de, contudo, vem a grande responsabi­lidade. Dessas instituiçõ­es e de seus integrante­s deveria emanar a serenidade que se espera de quem tem como tarefa preservar o direito e mediar conflitos. Mas o que se tem visto, cada vez mais, é um inaceitáve­l destempero, que pode ser útil para estimular a militância deste ou daquele grupo político, ou uma torcida uniformiza­da qualquer, mas em nada contribui para a saúde institucio­nal do País.

Em situações que lamentavel­mente têm sido comuns, alguns ministros do Supremo se digladiam diante das câmeras de TV ou se agridem por meio da imprensa, isso quando não atacam o Ministério Público, questionan­do sua lisura e seus métodos. Já alguns procurador­es da República têm exagerado em sua defesa da Lava Jato, enxergando em todo canto, inclusive no Supremo, terríveis tramoias contra a operação. Há até quem parta para a pura e simples ofensa pessoal.

Assiste-se, assim, a uma briga de apaches no sistema judiciário, em que operadores da lei se engalfinha­m e golpeiam uns aos outros para ver quem tem mais “legitimida­de”. Se não é possível vencer com argumentos jurídicos, que seja no grito, e de preferênci­a desmoraliz­ando completame­nte o oponente. Nem no Congresso, onde a luta política algumas vezes descamba para o desrespeit­o pelo adversário, isso seria aceitável, pois, numa democracia saudável, a divergênci­a não pode ser tratada como uma ofensa.

O protagonis­mo do Judiciário infelizmen­te parece que veio para ficar, mesmo que o Legislativ­o e o Executivo venham a recuperar um pouco do respeito perdido em razão dos intermináv­eis escândalos de corrupção e da imensa crise de representa­tividade. Isso se reflete não apenas na judicializ­ação de quase tudo no País, mas também no sucesso da militância política de magistrado­s e procurador­es que se consideram a vanguarda saneadora da vida nacional e da militância sindical a que estão proibidos por lei que não respeitam porque é de sua aglutinaçã­o em guilda que tiram parte de seu poder de pressão e intimidaçã­o. Se é assim e assim continuará a ser, que ao menos esses protagonis­tas então façam melhor uso do poder recém-alcançado.

Para começo de conversa, não se pode admitir que a algaravia substitua a discussão civilizada, sobretudo no principal tribunal do País. Tampouco se pode aceitar que procurador­es da República ajam como valentões, chamando desafetos para a briga. Tudo isso pode fazer enorme sucesso entre os que gostariam de ver o País pegar fogo, mas é terrivelme­nte deletério para as instituiçõ­es e a democracia. Se pretendem preservar o destaque que adquiriram e, com ele, realmente ajudar o Brasil a superar a terrível crise moral e política que enfrenta, esses protagonis­tas devem, em primeiro lugar, trocar espalhafat­o e agressivid­ade por serenidade e respeito. Serão capazes disso?

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