O Estado de S. Paulo

Cynthia Nixon pode salvar os democratas de si mesmos

- SARAH LEONARD / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Conhecida por seu papel na série ‘Sex and the City’, ativista é pré-candidata ao governo de Nova York com plataforma de esquerda

Depois de Hillary Clinton perder a eleição para a presidênci­a americana, em 2016, para Donald Trump e de Bernie Sanders mostrar força nas primárias, muitos no Partido Democrata captaram o alerta: o partido precisa se voltar para a esquerda. Mas sabem quem quer fazer isso? Andrew Cuomo, governador de Nova York.

Nos últimos dois anos, Cuomo– de olho na presidênci­a do país – passou de conservado­r a populista de esquerda. No ano passado, após reunir-se com Sanders, ele chegou a anunciar um plano de “faculdade grátis” (para surpresa de ninguém, o projeto mostrou-se cheio de brechas nada progressis­tas).

A verdade é que o governador usa sua nova identidade progressis­ta comoum terno barato no qual sobra ou falta pano nos lugares errados. A boa notícia é que Cuomo, apesar de sua ambição, provavelme­nte tem poucas chances de conseguir a indicação para disputar a Casa Branca.

Mas isso não significa que ele não mereça enfrentar um forte desafio da esquerda. Se ativistas conseguire­m impedir Cuomo de avançar para o palco nacional em 2020, estarem os mandando aos democratas uma mensagem que eles precisam ouvir. Devemos levar ao centro da campanha eleitoral para o governo de Nova York temas que interessam à classe operária do Estado.

Cynthia Nixon está fazendo exata- mente isso. No mês passado, ela – defensora do ensino público e conhecida principalm­ente por seu papel na série Sex and the City –, anunciou que desafiará Cuomo nas primárias estaduais. Sua plataforma inclui maior controle dos aluguéis, mais dinheiro para escolas públicas e o fim do encarceram­ento em massa. A esquerda deve apoiá-la.

De certo modo, é uma disputa desconfort­ável para muitos de nós. Precisamos mesmo nos proteger atrás de alguém rico e famoso? A resposta é sim. Para quem não acompanha a novela política do Estado de Nova York, aí vai uma rápida recapitula­ção.

Cuomo foi eleito em 2010. Em seu primeiro mandato, se posicionou como centrista, impulsiona­ndo escolas subsidiada­s. Em 2013, destacou-se ao formar uma comissão para investigar corrupção, desativand­o-a quando as investigaç­ões se aproximara­m dele e de seus aliados próximos – suas campanhas foram financiada­s por doações dos setores imobiliári­o e financeiro.

Nas primárias estaduais de 2014, ele foi desafiado por Zephyr Teachout, ativista do movimento Occupy Wall Street e professora de direito que se candidatou com plataforma anticorrup­ção. Zephyr conseguiu um terço dos votos, mas perdeu em parte porque seu aliado político mais natural, o Partido das Famílias Trabalhado­ras (WFP, em inglês), que frequentem­ente apoia desafiante­s esquerdist­as do establishm­ent democrata, foi perseguido por Cuomo por apoiá-la.

No segundo mandato de Cuomo, os progressis­tas tiveram algum sucesso. No ano passado, ele assinou uma lei patrocinad­a pelo WFP aumentando o salário mínimo para US$ 15 por hora. O sindicato dos professore­s també m o pressionou a recuar no caso das escolas subsidiada­s. Entretanto, tudo que Cuomo fez de progressis­ta foi sob pressão de ativistas que o ameaçavam eleitoralm­ente pela esquerda.

Entre os que o pressionar­am está Cynthia Nixon. Ela trabalhou por muitos anos com a Aliança para a Educação de Qualidade, um grupo de defesa da escola pública apoiado pelo sindicato dos professore­s. Cynthia começou a se envolver com a polítca quando o então prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, propôs cortes orçamentár­ios para a escola pública, no início dos anos 2000. Sua primeira prisão ocorreu do lado de fora da prefeitura, em 2002. Desde então, ela se tornou uma incansável defensora do ensino público, com especial foco no combate à segregação.

Cynthia vem adotando uma abordagem de esquerda semelhante em sua campanha pelo governo. Ela anunciou sua candidatur­a em Brownsvill­e, um dos bairros mais pobres do Brooklyn. Cynthia defende a legalizaçã­o da maconha, o financiame­nto unificado para o sistema de saúde e, seguindo Sanders, o aumento de impostos para os ricos.

Mas ela investiu também em áreas que Sanders não conseguiu atingir: abordou diretament­e o racismo, especialme­nte no que se refere a disparidad­es educaciona­is e habitacion­ais. Cynthia também critica o sexismo de Cuomo – ele inventou na última eleição um Partido da Igualdade Feminina, embora tenha se recusado a impulsiona­r uma lei que daria à população do Estado o direito de abortar, caso a decisão na qual a Suprema Corte reconhece o direito ao aborto ou interrupçã­o voluntária da gravidez, seja revogada.

Embora críticos de Cynthia digam que ela só tem força entre os eleitores da cidade de Nova York, há boas razões para se acreditar que terá apoio em outras partes. Em Brownsvill­e, ela se referiu a uma “tirania dos locadores” de imóveis, tema de destaque não apenas no Brooklyn. Lugares como Syracuse também sofrem uma severa crise de moradia. Além disso, até 2016, o número de sem-teto no Estado governado por Cuomo havia aumentado em 40%. Igualmente, a educação é um tema candente, embora a maior parte do ativismo de Cynthia pelo ensino público tenha por base Nova York.

Na semana passada o WFP anunciou apoio a Cynthia, recusando-se a ser de novo assediado pelo governador. É um grande início. Todas as organizaçõ­es progressis­tas de Nova York deveriam apoiar o WFP – dos defensores de uma justiça criminal mais igualitári­a aos sindicatos trabalhist­as. Cynthia está em desvantage­m ante os US$ 30 milhões de fundos de campanha de Cuomo, m as está ganhando nas pesquisas.

E ela é apenas um dos nomes numa grande lista que inclui o candidato a vice, Jumaane Williams, vereador do Brooklyn que tem forte apoio comunitári­o e uma experiênci­a de governo que falta a Cynthia. Por todo o Estado, candidatos da nova esquerda estão se posicionan­do contra o estilo centraliza­dor de Cuomo. Esse é o tipo de coalizão de que a classe trabalhado­ra precisa para ganhar mais poder. Essa coalizão existe e pode trazer o governo estadual para a esquerda e mostrar ao restante do país como se ganha uma eleição.

Cynthia está em desvantage­m ante os US$ 30 milhões da campanha de Cuomo, mas está ganhando nas pesquisas

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SAM HODGSON/THE NEW YORK TIMES Estreia. Cynthia cumpriment­a eleitor ao lançar sua pré-candidatur­a ao governo do Estado de Nova York

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