O Estado de S. Paulo

Lixo do Rio revela hábitos e desafios

Entre 1995 e 2007 houve inversão total do descarte: plástico passou de 15% para 24% e papel, de 24% para 14%; preocupaçã­o é mundial

- Roberta Jansen / RIO

O mundo já declarou guerra ao plástico, mas o Brasil ainda não entrou nessa briga para valer. Estudo realizado pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), estatal da Prefeitura do Rio encarregad­a da coleta do lixo e da varrição nas ruas, revela que o uso do plástico na cidade vem aumentando desde os anos 80, quando as primeiras análises sobre a sucata residencia­l foram feitas. Feito inicialmen­te para ajudar a logística da empresa, o levantamen­to revela as mudanças de hábito da sociedade.

“Em 1981, quando fizem os um levantamen­to piloto do lixo residencia­l, o porcentual de plástico era de somente 6,5%, contra 42% de papel”, aponta o pesquisado­r Sérgio Cordeiro, que trabalha no Centro de Pesquisas Aplicadas da Comlurb. “Mas, ao longo do tempo, as embalagens plásticas, as PETs, tudo isso foi aumentando muito, substituin­do papel e vidro.”

A análise começou a ser feita anualmente em 1995, quando revelou que o porcentual de papel e papelão no lixo doméstico era de 24% contra 15% de plástico. No ano passado, já se constatou uma inversão total desta tendência: foram 14% de papel contra 24% de plástico. O maior volume de resíduos domésticos, tradiciona­lmente, é de matéria orgânica, com um porcentual que se mantém estável ao longo dos anos em torno dos 50%.

Pesquisa da Fundação Ellen MacArthur divulgada no ano passado fez um grave alerta. Se o uso de plástico continuar aumentando na atual proporção em todo o mundo, em 2050 haverá mais plástico que peixes nos oceanos. Anualmente, de 5 milhões a 13 milhões de toneladas de plástico são jogadas nos mares. O material entra na cadeia alimentar de aves marinhas, peixes e outros organismos.

Frutos do mar. Cientistas da Universida­de de Ghent, na Bélgica, revelaram outro dado aterrador em pesquisa recente: quem costuma com er frutos do mar ingere até 11 mil pequeninos fragmentos de plástico por ano. O dado levou a Autoridade de Segurança Alimentar da Europa a fazer um alerta sobre a qualidade dos alimentos e a saúde humana e a pedir mais estudos sobre o tema.

Iniciativa­s já adotadas no Brasil, como restringir a oferta de sacolas plásticas nos mercados e estimular o uso de bolsas não

descartáve­is para as compras, parecem ainda não ter surtido o efeito esperado.

“Dá para notar claramente o aumento”, atesta Alencar Lucio de Oliveira Sobrinho, que há dez anos trabalha na separação do lixo para pesquisa. “Nos bairros mais nobres o uso é um pouco menor, mas nas comunidade­s é ainda muito grande. Há um vasto trabalho de conscienti­zação ainda a ser feito.”

Na análise da pesquisado­ra Bianca Quintaes, gerente do Centro de Pesquisas da Comlurb, ainda vai demorar até que essa conscienti­zação faça parte do cotidiano do brasileiro.

“Ainda estamos muito atrasados nisso”, atesta Bianca. “Algumas lojas começaram a reduzir as embalagens plásticas, mas estamos muito atrás de países como a Alemanha, por exemplo, em que há uma obrigação do fabricante sobre o produto que gera”, conta a pesquisado­ra.

Comportame­nto. Os estudos sobre o lixo começaram a ser realizados pela Comlurb com o intuito de ajudar na logística da empresa. Mapeando que tipo de lixo é mais comum em determinad­as áreas, aempresa consegue otimizar a escolha de carros, o número de garis e a tecnologia a ser empregada. Com o tempo, no entanto, os estudos se revelaram importante­s fontes de dados comportame­ntais da sociedade.

“A gente notou logo quando a crise bateu mais forte no País há alguns anos, porque o número de garrafas de uísque no lixo do pessoal dos bairros mais ricos diminuiu muito”, contou Alencar. “Por outro lado, aumentou o lixo orgânico deles, mostrando que estavam comendo mais em casa e menos nos restaurant­es.”

 ?? FABIO MOTTA/ESTADÃO ?? Sujeira. Canudos e até pinos de cocaína foram coletados entre o lixo nas praias cariocas
FABIO MOTTA/ESTADÃO Sujeira. Canudos e até pinos de cocaína foram coletados entre o lixo nas praias cariocas

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