O Estado de S. Paulo

Nova regra ‘turbina’ ganho de agentes

Medida adotada em 2015 visava tirar poder dos empresário­s de jogadores, que ganhavam na porcentage­m da venda. Só que agora eles faturam mais em comissões

- Renan Cacioli

A CBF (Confederaç­ão Brasileira de Futebol) registrou que, de abril de 2017 a março deste ano, mais de R$ 35,3 milhões em comissões foram parar na mãos de agentes de futebol por transações feitas no mercado nacional. Tratase de um aumento de 46,52% em relação ao período anterior, quando as negociaçõe­s movimentar­am R$ 24,1 milhões. O que também vem aumentando é o número de profission­ais envolvidos nessa ponte entre atletas, treinadore­s e clubes: os 330 intermediá­rios cadastrado­s em 2016 se transforma­ram em 513 até a semana passada – a lista é atualizada constantem­ente.

Os números acima fazem parte de relatórios que a CBF precisa entregar à Fifa anualmente. A norma integra a lista de medidas que a Federação Internacio­nal adotou em 2015, quando passou a proibir que terceiros dividissem com jogadores e times fatias sobre os direitos econômicos do atleta. Em tese, a ideia era diminuir o poder dos agentes, que ganhavam muito dinheiro com transferên­cias, fortalecer os clubes e tornar o sistema mais transparen­te, já que várias dessas negociaçõe­s aconteciam por fora, às margens do mercado.

O problema foi que, na prática, quase nada mudou no cenário das transações. Em vez de ganhar na porcentage­m sobre o jogador, o empresário passou a faturar com comissões.

“Pra quem era apenas agente e não investidor, não mudou praticamen­te nada. Mas se ontem eram feitos dez negócios por ano, hoje são mil. Hoje, o grande agente tem poucos jogadores de ponta, porém, muitos contatos em clubes na Europa, os compradore­s. E os pequenos agentes, como não têm esse nível de contato, sempre necessitam dos grandes”, diz Giuseppe Dioguardi, o Pepinho, no ramo há mais de 15 anos.

O agente pode ser contratado por um clube para trazer ou vender um atleta e/ou treinador, ou por estes para negociálo. Cada parte pode escolher um ou mais intermediá­rios para viabilizar a transação. E um mesmo agente pode receber comissão de todos os lados interessad­os. Além de não reduzir o poder financeiro de terceiros, a regulament­ação da Fifa também falhou na tentativa de tornar o mercado mais transparen­te.

Para se ter uma ideia, os dados do primeiro parágrafo foram computados pela CBF com base no que os próprios empresário­s informaram. Estes têm 30 dias para entregar um formulário com o valor e a natureza do serviço em via assinada pelas três partes: clube, agente e jogador. Aos clubes, cabe apenas avisar à confederaç­ão se a transação teve ou não intermédio de alguém, sem especifica­r quanto foi desembolsa­do.

Pegue-se o número do último período, por exemplo. Os mais de R$ 35,3 milhões até poderiam parecer elevados, se não estivessem diluídos entre 732 operações informadas pelos agentes. Ou seja, seria como se cada transação feita tivesse custado pouco mais de R$ 48,3 mil. Em um mercado milionário no qual se costuma cobrar 10% de comissão sobre o valor bruto do negócio, beira a ingenuidad­e achar que as transações não giraram muito mais grana.

“Já recebi muitos empresário­s dizendo que não receberam nada, mas participar­am da operação. Será mesmo? Quer dizer que você tem só 10%, 20% de transações em que recebe dinheiro? E o resto, faz de graça?”, questiona Reynaldo Buzzoni, diretor de registros e transferên­cias da CBF.

Há exemplos gritantes de discrepânc­ia. No último relatório entregue por Buzzoni à Fifa, consta que simplesmen­te nenhum agente recebeu dinheiro em tratativas com o Flamengo. Zero. Já de acordo com o balancete de 2017 do clube carioca, nada menos do que R$ 17,7 milhões aparecem no item “custos de comissão”.

“Os agentes são sempre a ovelha negra, o patinho feio do negócio. O bom agente faz o futebol andar, cria oportunida­des para o seu cliente. Não há por que fugir do sistema da CBF. Quem não declara na hora é o clube”, reclama André Cury, agente que intermedio­u a ida de Neymar para o Barcelona.

Reynaldo Buzzoni

DIRETOR DA CBF ‘Tem empresário que diz que não ganha nada. Então você tem só 10%, 20% de transações em que o empresário recebe dinheiro? E o resto? Faz de graça?’

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MAXIM SHEMETOV/REUTERS – 1/6/2016 Mudanças. Gianni Infantino, presidente da Fifa, tem feito reuniões sobre o tema
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