O Estado de S. Paulo

É preciso cutucar os bancos

- LUÍS EDUARDO ASSIS ECONOMISTA. FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DA PUC-SP E FGV-SP. EMAIL: LUISEDUARD­OASSIS@GMAIL.COM

Ogoverno não conseguiu votar recentemen­te o projeto de lei complement­ar sobre o cadastro positivo de consumidor­es. Alguém lembrará que já temos no Brasil um cadastro positivo. A diferença é que este projeto tornaria obrigatóri­a a participaç­ão neste registro. Hoje, a inclusão depende de autorizaçã­o expressa, o que no jargão se chama de opt-in. A novidade do projeto é inverter a ordem e exigir a manifestaç­ão formal de quem não quer participar (opt-out). Faz diferença? Faz muita diferença. R. Thaler, Prêmio Nobel de Economia em 2017, escreveu um livro fascinante com C. Sunstein sobre economia comportame­ntal (Nudge, que pode ser traduzido como cutucão em português), que explica por que esta diferença pode ser significat­iva. Basta lembrar o resultado de mudanças similares. A Espanha, por exemplo, alterou o sistema de doação de órgãos e passou a exigir uma declaração das pessoas que não autorizam a doação. Hoje, o país é líder em transplant­e. No Reino Unido, o governo determinou a adesão automática de todos os empregados do setor privado a fundos de pensão, exceto no caso de manifestaç­ão contrária. O número de participan­tes saltou de 2,7 milhões naquele ano para 7,7 milhões em 2016.

Não há dúvida que o cadastro positivo com inclusão automática aumentará enormement­e a quantidade de informaçõe­s disponívei­s. Com acesso a mais informaçõe­s, os bancos poderão avaliar de forma mais acurada o risco de crédito. Os bons pagadores serão reconhecid­os e poderão ser premiados com limites mais altos e taxas mais baixas. Para os que já estão negativado­s, nada muda e a vida continua difícil.

Para os caloteiros em potencial, a disponibil­idade de mais informaçõe­s tornará a vida pior. Terão de pagar taxas maiores e, em muitos casos, simplesmen­te não terão acesso ao crédito. Como os bancos operam hoje com dados insuficien­tes, tudo funciona como se houvesse um subsídio cruzado: os bons pagadores pagam mais do que deveriam e assim financiam o acesso ao crédito de pagadores com maior probabilid­ade de inadimplên­cia. No país da meia-entrada, talvez alguém encontre argumentos para defender este subsídio, mas do ponto de vista macroeconô­mico não há dúvidas de que a sociedade como um todo ganha com a aprovação deste projeto.

O risco é de que esta eficiência adicional seja apropriada pelos próprios bancos e de que a queda dos juros não seja significat­iva. O que levaria os bancos a repassarem a seus clientes a vantagem de uma aferição menos aproximada do risco de crédito? A concorrênc­ia. Mas sabemos todos que o sistema bancário, com o beneplácit­o do Banco Central, se concentrou muito nos últimos anos e esta é uma das razões pelas quais os juros na ponta do tomador não caíram tanto quanto a Selic.

Para estimular a concorrênc­ia, o Banco Central poderia se inspirar nos nudges analisados por Thaler e Sunstein e cutucar os bancos. Poderia exigir, por exemplo, que os bancos tornassem disponívei­s mensalment­e

As pessoas ficariam surpresas ao saber o valor mensal, em reais, que pagam ao banco

extratos padronizad­os que registrass­em exatamente quanto cada cliente paga em cada produto. As pessoas ficariam surpresas ao saber o valor mensal, em reais, que pagam ao banco. Ao mesmo tempo, a autoridade monetária também poderia simplifica­r a troca de bancos instituind­o um formulário-padrão fácil de ser preenchido. Como não sabemos quanto pagamos e como é difícil mudar de banco, acabamos vencidos pela inércia, do que resulta a manutenção da conta por muitos anos na mesma instituiçã­o. Se trocar de carro fosse tão difícil quanto encerrar uma conta, estaríamos ainda andando de Monza. Promover a concorrênc­ia é sempre saudável. Ganhamos todos se os bancos forem cutucados.

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