O Estado de S. Paulo

Novo álbum do Parquet Courts vem engajado

Banda indie do Brooklyn lança em maio seu sexto disco, ‘Wide Awake’

- Fabiana Caso ESPECIAL PARA O ESTADO NOVA YORK

Como um prelúdio, depois de um voo atrasado seguido de outros contratemp­os, eu corria pelas estações do metrô do Brooklyn repletas de referência­s visuais para o ateliê do guitarrist­a, vocalista e compositor Andrew Savage, 32 anos, da banda Parquet Courts – prestes a lançar o sexto álbum Wide Awake (Rough Trade Records), no dia 18 de maio.

No pêndulo entre ser uma banda independen­te que veio da cena undergroun­d, cujo primeiro álbum saiu em uma tiragem limitada de fitas cassetes, e estar se tornando conhecida mundialmen­te e ser frequentem­ente citada nas mídias americanas como uma das queridinha­s do rock do Brooklyn, nada mais simbólico do que terem trabalhado pela primeira vez com um produtor nesse registro, o notório Danger Mouse.

A faixa-título que soltaram recentemen­te, com clipe gravado em New Orleans, traz uma explosão funky e encharcada de groove, contaminan­do de qualidades dançantes a dinâmica sônica que costuma unir urgência punk nos vocais e guitarras bem casadas com outras paisagens musicais. Prismático, Andrew também é artista visual, assina a arte dos álbuns do Parquet Courts e dirige o selo Dull Tools – pelo qual lançou o seu álbum solo em outubro passado (A. Savage), e o segundo do Parquet Courts, incluindo muitos outros artistas no cast.

Bem ao sabor do Brooklyn, o prédio cinza do bairro de BedStuy abriga inúmeros ateliês e estúdios de música ao longo de seus enormes corredores, de atmosfera industrial. Depois de outras dificuldad­es para localizar o QG plástico, Andrew veio me buscar no elevador vestindo um moletom cheio de tintas coloridas respingada­s, uma touca e os seus óculos. Dentro do ateliê por onde vazava a luz do dia cinza-branco por amplas janelas, havia uma miscelânea de desenhos, roupas penduradas que seriam pintadas, telas e apenas uma cadeira, onde me sentei. Andrew se equilibrou sobre uma grande bola azul.

O próprio nome da banda, de pronúncia complicada, reflete essa miscelânea plástica: Parquet Courts tem duplos sentidos, mas remete a padrões geométrico­s de pisos, ou de tribunais. “Leva à ideia de quadras de basquete que podem ter esses pisos, então é uma referência bem americana”, diz ele. E para minha surpresa, nesse momento ele saca uma cuia e bombilha e começa a sorver o seu mate – à la chimarrão! – “trouxe da Argentina”, conta. A atitude séria e cool é quebrada por um raro sorriso e empolgação quando ele fala sobre essa primeira turnê pela América do Sul, e o quanto a banda curtiu São Paulo quando tocaram no festival The Art of Heineken, no topo do Museu de Arte Contemporâ­nea de

São Paulo (MACUSP), no ano passado.

Ele diz que aceitariam prontament­e convites para voltar. A partir de maio, o grupo dá a partida em uma agitada agenda de shows para promover o novo álbum nos Estados Unidos, Europa, Japão e Austrália.

Nos trânsitos entre as esferas do undergroun­d e do mainstream, pergunto se o trabalho com Danger Mouse teria contribuíd­o na direção das pistas de dança, como aponta a faixa-título. De modo bastante diverso dos sons mais “garageiros”, e tão viscerais quanto melódicos, do último álbum Human Performanc­e, de 2016. “Não teve nada a ver porque tínhamos o álbum composto antes que ele chegasse; a natureza funky do disco, essas linhas de baixo já estavam lá antes. Cada álbum deveria conter o seu próprio testemunho, o seu próprio som, e desta vez eu queria fazer um trabalho mais rítmico.” Eles se isolaram em um deserto do Texas para a gravação, em três semanas, no estúdio Sonic Ranch.

“Foi gravado de forma muito semelhante aos discos anteriores, com a diferença que desta vez tínhamos uma pessoa de fora ali, o Brian, que podia nos mostrar eventuais vícios de composição e que temos como músicos que tocam juntos há oito anos e que não conseguirí­amos perceber de dentro.”

Depois de uma recusa a comentar sobre outras músicas do álbum, Andrew concorda em mostrar faixas inéditas, e dá o play em Violence. Mais um petardo funky, com baixo pulsante no primeiro plano, vocais nervosos, em uma ambiência que lembra o som de James Brown – quase um punk funk, entrecorta­do por outras texturas sonoras, como um solo com timbre que lembra Theremin. Algo como uma celebração raivosa, música para dançar com letra consciente.

“Um dos temas que queríamos explorar nas letras deste álbum era a dualidade entre alegria e raiva. Muitas são em reação ao que está acontecend­o nos Estados Unidos agora e nos últimos dois anos, com a administra­ção Trump, quantidade­s enormes de violência que vemos, corrupção política”, fala, convicto, reforçando que vale a pena estar engajado e de olhos bem abertos neste momento em que ele acredita que há uma mobilizaçã­o coletiva dos jovens americanos para acreditar em algo, reunirem-se em protestos. “Dizendo ‘eu estou bem acordado’, o que se está dizendo é que se está engajado com o que está acontecend­o hoje, e que se está prestando atenção, que se tem uma opinião. Pode ser considerad­o tanto algo festivo como um aviso para as pessoas que não querem que estejamos acordados.”

As músicas novas continuam tocando e a próxima tem uma pegada dub e quase psicodélic­a em alguns trechos. E um respingo punk, cuja inspiração Andrew faz questão de reforçar. “As paredes dos gêneros musicais estão caindo. O hip hop, por exemplo, está absorvendo influência­s de outros estilos, e isso vai continuar acontecend­o, até o ponto que as pessoas parem de notar distinções de gênero ou que a gente tenha uma maneira totalmente nova para descrever a música.”

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EBRU YILDIZ Sensação. Banda anda no limite entre o undergroun­d e o mainstream
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FABIANA CASO Andrew Savage. Vocalista e guitarrist­a, e também artista visual

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