O Estado de S. Paulo

Paradoxo eleitoral

- (eleitorais)

Cidadãos internados em hospitais não têm os mesmos direitos dos presos provisório­s.

AConstitui­ção determina os casos de perda ou suspensão dos direitos políticos, vale dizer, o direito de votar e de ser votado. A regra geral, como não haveria de deixar de ser em um país democrátic­o como o Brasil, é a proteção quase absoluta desses direitos, exceto em casos muito específico­s, enumerados no artigo 15 da Lei Maior.

No rol de exceções ao pleno exercício dos direitos políticos não consta a prisão provisória. O que implica a perda ou suspensão desses direitos, como se lê no inciso III daquele dispositiv­o constituci­onal, é a “condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem os seus efeitos”.

Ou seja, um cidadão que foi condenado definitiva­mente por um crime está impedido de votar até o total cumpriment­o da sanção que lhe foi imposta. Já o cidadão preso provisoria­mente, isto é, aquele que ainda não teve sua culpa certificad­a por sentença transitada em julgado, está autorizado a votar.

A Justiça Eleitoral estende às unidades prisionais o conceito de “estabeleci­mento de internação coletiva” previsto no artigo 136 da Lei n.° 4.737/1965 (Código Eleitoral), que diz o seguinte: “Deverão ser instaladas seções

nas vilas e povoados, assim como nos estabeleci­mentos de internação coletiva, inclusive para cegos e nos leprosário­s onde haja, pelo menos, 50 (cinquenta) eleitores”. Este é o entendimen­to do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que pacificou o assunto por meio da Resolução 20.471/1999.

Sendo assim, a cada pleito, a Justiça Eleitoral leva urnas até as unidades prisionais onde há, pelo menos, 50 eleitores para que lhes seja garantido o direito de votar assim como o éa todos os cidadãos alistados em seções eleitorais extramuros.

Não se discute que alguém preso provisoria­mente ainda é titular de direitos políticos. É inegável, porém, que tal como está posta a lei eleitoral, os mesmos direitos não estão assegurado­s a outros cidadãos em situação material similar à do preso provisório, como os que se encontram internados em unidades hospitalar­es, por exemplo.

Imagine o leitor a situação estrambóli­ca: um cidadão que, em virtude de uma agressão infligida por terceiro, está internado em um hospital no dia da eleição não pode votar. Não se tem notícia de instalação de urnas em hospitais País afora. No entanto, o comprovado autor do delito, caso já esteja preso provisoria­mente, terá o seu direito de votar assegurado.

A fim de corrigir este absurdo, o desembarga­dor federal Fábio Prieto de Souza, juiz do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, enviou ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luiz Fux, uma proposta de Resolução que prevê a adoção em hospitais e entidades assistenci­ais, com as devidas adaptações, das mesmas providênci­as que visam à garantia do direito ao voto nas prisões e unidades de internação. “Não parece existir motivo razoável para que, entre milhares de cidadãos brasileiro­s internados em estabeleci­mentos coletivos, apenas os suspeitos pela suposta prática, em tese, de crimes graves continuem a usufruir da prerrogati­va de votar dentro das prisões”, justifica Fábio Prieto.

De fato, qualquer adulto que esteja preso provisoria­mente ou menor adolescent­e na condição de internado pela prática de crime com emprego de violência estão habilitado­s a votar. O mesmo não ocorre com as vítimas daqueles crimes, visto que não lhes são oferecidos pelo Estado os meios para participaç­ão das eleições nos estabeleci­mentos hospitalar­es em que estão. Também estão, na prática, fora do processo eleitoral os cidadãos acometidos de doenças agudas ou crônicas que demandam intervençã­o. Terão, além da privação cívica, de arcar com o ônus da justificaç­ão de sua ausência no pleito.

Portanto, é pertinente a proposta de Resolução apresentad­a pelo desembarga­dor federal Fábio Prieto. É importante para o desenvolvi­mento de nossa democracia que os ministros do TSE, os dirigentes dos partidos políticos e os membros do Ministério Público Eleitoral a apreciem com atenção.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil