O Estado de S. Paulo

Fim do foro ameaça 48 políticos do Congresso

Judiciário. Levantamen­to feito pelo ‘Estado’ mostra que 48 parlamenta­res com inquéritos no STF no âmbito da Operação Lava Jato ficariam sujeitos à nova regra

- / ADRIANA FERRAZ, ANA NEIRA, CAIO SARTORI, LUIZ RAATZ e PAULO BERALDO

Pelo menos 12 senadores e 36 deputados com inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal no âmbito da Lava Jato ficariam sujeitos à perda do foro privilegia­do, segundo a interpreta­ção da regra em votação na Corte, mostra levantamen­to feito pelo Estado. A maioria das investigaç­ões trata de recebiment­o de propina, via caixa dois, para políticos que já exerciam mandatos e tentavam a reeleição ou novo cargo no Executivo. É o caso dos senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Gleisi Hoffmann (PT-PR), que negam irregulari­dades.

Levantamen­to feito pelo Estado mostra que pelo menos 12 senadores e 36 deputados com inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal no âmbito da Operação Lava Jato ficariam sujeitos à perda do foro privilegia­do, segundo a interpreta­ção da nova regra em votação no Supremo. Isso porque a maioria dos casos envolve investigaç­ões de recebiment­o de propina, via caixa 2, para políticos que já exerciam mandatos no Congresso e tentavam a reeleição ou novo cargo no Executivo.

É o caso, por exemplo, dos senadores Aécio Neves (PSDBMG) e Gleisi Hoffmann (PTPR) e dos deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ), Cacá Leão (PP-BA) e Celso Russomanno (PRB-SP). Todos negam uso de caixa 2 e afirmam que as doações foram contabiliz­adas dentro da legislação eleitoral.

Especialis­tas alertam, no entanto, que a perda ou a manutenção do foro, para as autoridade­s, não deve ser automática. A decisão – mesmo que a nova regra seja confirmada hoje pelo plenário da Corte – deverá ser tomada caso a caso, de acordo com a interpreta­ção dos magistrado­s sobre se o crime tem relação com o mandato do investigad­o. Para analistas, a definição de quando se dá essa relação pode levantar dúvidas e dificultar a aplicação da nova regra.

Em seu voto, o relator da matéria, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que o foro só deve ser observado nos casos de imputação de crimes cometidos no atual exercício do cargo e em razão dele. A tese, já seguida por outros sete ministros, deixa claro que um caso de agressão doméstica cometido por um parlamenta­r, por exemplo, não será mais julgado pelo Supremo, por não ter relação com o cargo. Mas não responde se um deputado em campanha pela reeleição suspeito de receber caixa 2 deve ter seu inquérito encaminhad­o à 1.ª instância.

“Delimitar se o crime ocorreu no exercício do mandato não é difícil. O difícil é definir se ocorreu em razão do mandato. O parlamenta­r negociou e recebeu caixa 2 porque já estava no cargo? Essa foi a condição? Se esse foi o entendimen­to, então o caso continuará no STF. Mas cada juiz pode avaliar de uma maneira”, disse o mestre em Direito Público Ivar Hartmann, da FGV-Rio. Segundo estudo da instituiçã­o, apesar das dúvidas, só 5% das ações penais contra autoridade­s que tramitaram entre 2007 e 2016 ficariam na Corte.

Clareza. Na visão de Fernanda de Almeida Carneiro, professora do Instituto de Direito Público de São Paulo, o voto de Barroso deixa claro as diferenças entre os casos que devem ficar e os que devem sair do Supremo, mesmo quando o crime foi de caixa 2. Segundo ela, a interpreta­ção caso a caso não será difícil, apesar de necessária.

“Uma pessoa que tenha recebido repasse indevido antes de se tornar deputado ou deputada não tem prerrogati­va de foro porque o crime está relacionad­o à expectativ­a de cargo e não à função em si, que ainda não era ocupada. Já no caso de um político que, no exercício do seu mandato, recebe dinheiro para se reeleger, aí sim há prerrogati­va de foro”, afirmou, com base no voto de Barroso.

Segundo Fernanda, o fim do foro é fundamenta­l para “desafogar” os tribunais superiores, que não têm estrutura para julgar a quantidade atual de casos. “Na prática, o que acaba acontecend­o é que pessoas com foro dificilmen­te são condenadas e os casos, em sua maioria, prescrevem. É uma sensação de impunidade muito forte.”

‘Limpa’. Assegurar essa “limpa” dos processos que congestion­am o Supremo seria um avanço para a Justiça na avaliação do professor do curso de Direito Público da PUC-SP Eduardo Martines Júnior. “O STF gasta tempo demais analisando crimes que às vezes nem deveriam ser analisados ali.” O professor, no entanto, citou mais uma dificuldad­e de interpreta­ção do voto de Barroso, desta vez relacionad­a à conexão de inquéritos.

“Se estamos falando de alguém que cometeu crimes enquanto governador, deputado estadual e hoje é senador, por exemplo, que seja julgado pelo STF, conforme dita seu foro atual. Se a gente for pegar cada processo e ficar repartindo cada um para sua devida instância, a coisa não evolui.”

Ainda assim, ele apontou que tudo será um mistério até que a questão seja definida pelo STF. “Só teremos certeza quando o acórdão for publicado. Não dá para prever todos os casos, o tribunal não irá estabelece­r todas as possibilid­ades.”

O sistema é ruim, funciona mal, traz desprestíg­io ao Supremo, traz impunidade.” Luís Roberto Barroso

MINISTRO DO SUPREMO

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NELSON JR./SCO/STF-31/5/2017 Julgamento. No dia 31 de maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal começou a decidir o alcance do foro privilegia­do
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WILTON JUNIOR/ESTADÃO-1/9/2017

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