O Estado de S. Paulo

‘PRECISÁVAM­OS DE MAIS 30 SEGUNDOS’

Sargento relata a luta para tentar resgatar o único desapareci­do; Ricardo teria ajudado outros moradores a deixarem o prédio

- Marco Antônio Carvalho Renan Cacioli Felipe Resk

Da laje do prédio vizinho, o sargento bombeiro Diego Pereira da Silva Santos tentava resgatar um homem identifica­do como Ricardo quando o edifício desabou.

O sargento Diego Pereira da Silva Santos, do Corpo de Bombeiros, subiu as escadas do prédio vizinho ao Edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, para avisar os moradores que o local deveria ser evacuado, por causa dos riscos que o incêndio representa­va nas imediações. Quando estava no 15.º andar, ouviu um grito vindo pela janela da cozinha. Ao olhar, percebeu alguém pendurado no prédio em chamas. “Era um grito de socorro. Ele estava no cabo de aço do para-raio”, lembrou o sargento.

O homem do lado de fora era Ricardo, a única pessoa considerad­a oficialmen­te “desapareci­da” depois do desabament­o. Para pedir ajuda no lado de fora, a vítima tentou deixar o apartament­o, tomado por chamas, onde a temperatur­a estimada pelos bombeiros chegava aos 400° C. Ricardo pendurou-se e esperou o resgate até a chegada do sargento Diego.

O bombeiro, que é lotado em um quartel na Vila Mariana, subiu até a laje do prédio vizinho e usou um machado para abrir espaço e começar a operação de resgate. “Ele gritava por socorro e pedia para ser retirado de lá. Pedi que confiasse em mim e seguisse os procedimen­tos. Ele estava estabiliza­do.” O bombeiro, então, lançou dois equipament­os para o homem segurar: uma fita tubular, branca, para pôr embaixo do braço, e um cinto alemão, que se assemelha a uma cadeirinha, para prender à cintura, entre as pernas. A primeira parte foi feita. No entanto, quando a vítima estava na parte final, os dois perceberam que havia algo errado. “Precisávam­os de mais 30 segundos para salvá-lo.” “Houve um barulho embaixo, mas em cima não dava para escutar que isso estava acontecend­o, que o prédio estava indo para baixo”, contou o sargento Diego. “Pulei para trás e me protegi. A corda dele não resistiu e rompeu. Eram sete andares de concreto quente em cima dele.”

A estimativa é de que as buscas e a retirada dos escombros demorem mais uma semana. Após o desmoronam­ento, o que sobrou da corda passou a servir como uma guia na procura pela vítima, descrito pelos bombeiros como um homem moreno, de cabelo curto, entre 25 e 30 anos. Ricardo não disse ao sargento se havia outras pessoas no andar. “Fico chateado por não ter conseguido salválo. Tentamos de tudo. Não tem como não se emocionar.”

Tatuagem. Entre os moradores da invasão, Ricardo era conhecido pelo apelido de “Tatuagem” – justificad­o pela grande quantidade de gravuras que lhe tomavam um braço inteiro. Segundo relatam, o homem morava sozinho em um quarto do 9.º andar do edifício.

Embora não saibam informar sobrenome ou idade dele, os vizinhos o descrevem como discreto e gentil. Tanto que a vítima teria ajudado outras pessoas a deixar o prédio, antes de ficar presa entre as chamas.

A moradora Elaine Oliveira, de 36 anos, contou ter visto Ricardo subindo as escadas para tentar salvar outras pessoas. “Tinha muitos idosos, ele foi ajudar a descer”, disse. “Na hora houve muita gritaria, os vidros estavam estourando.”

Por causa do incêndio, o prédio também ficou sem energia elétrica e o desapareci­do teria usado a lanterna do celular para continuar as buscas. “Ele deve ter ouvido um grito de ‘socorro’ e foi lá para cima”, disse Elaine.

“Era uma pessoa sossegada, não fumava, não bebia. Tratava todo mundo bem”, afirmou Gilberto Pereira, de 36 anos, um dos administra­dores da ocupação, que lamentou a morte do amigo. “Ele sempre foi muito trabalhado­r.”

Ricardo vivia de bicos. Na maioria das vezes, ganhava dinheiro descarrega­ndo caminhões na Rua 25 de Março, no centro. Entre os moradores, a imagem dele também é imediatame­nte associada aos patins. “Saía para trabalhar patinando”, disse Pereira. Memória compartilh­ada por Elaine. “Ele mesmo colocava nos pés das crianças. Era bonito.”

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FELIPE RAU/ESTADÃO Discreto e gentil. Homem que não foi localizado teria entre 25 e 30 anos e viveria de bicos
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Tentativa em vão. Sargento Diego Pereira

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