O Estado de S. Paulo

Segurança e sistema prisional

- EVANDRO MESQUITA ADVOGADO, É DIRETOR DA FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES

Adequado, de início, ressaltar a distinção entre cenário social adverso em periferias de capitais e grandes cidades, propício a originar condutas delitivas, a ser medicado em suas causas, e ações criminosas e violentas já em curso, a débito de meliantes sem nenhuma perspectiv­a de recuperaçã­o, especialme­nte quando integram organizaçõ­es criminosas consolidad­as. Essas são duas situações bem diversas, a merecerem tratamento­s também absolutame­nte diferencia­dos.

A higidez do meio social depende de retomada vigorosa do desenvolvi­mento, com elevação de empregos e renda, soluções de médio e longo prazos, envolvendo escolha de caminhos eficientes para maior desempenho global e/ou setorial da economia. Sabe-se também que há espaço para definição de macroplano social para o País, que ultrapasse os limites quadrienai­s de governos, associado ao exercício de política demográfic­a que já exercitamo­s no passado para povoar a imensidão territoria­l vazia, agora novamente necessária, mas para busca do aprimorame­nto social, lastreada em paternidad­e responsáve­l, caminho seguro para a prevalênci­a de referência­s e valores morais afastados de esgares ideológico­s e pruridos do politicame­nte correto.

Enquanto isso, tendo em vista a ocorrência diária e contínua de crimes de sangue, deve o poder público acelerar a identifica­ção e segregação dos transgress­ores, retirá-los de circulação, isolá-los. E tendo como razão principal para isso não só o mal já causado, mas a prevenção pelo mal maior que ainda poderão causar.

Nesse sentido, muitas esperanças se depositam nas ações federais de segurança pública em implementa­ção no Rio de Janeiro sob coordenaçã­o do Exército Nacional e integrando as Polícias Militar e Civil, cujos resultados poderão definir alternativ­as também para outros Estados e regiões.

Não obstante, é certo que o incremento da criminalid­ade guarda estreita relação com o sistema prisional atual, quando se constata que 80% dos crimes mais agressivos praticados contra a pessoa e o patrimônio são de autoria de reincident­es, em geral fora de presídios e penitenciá­rias por fuga, resgate ou liberdade eventual convertida em fuga. Estando sentenciad­os, os Poderes Legislativ­o e Judiciário terão cumprido o que lhes cabia fazer, aprovando leis e prolatando sentenças. O elo fraco, portanto, reside no sistema prisional vigente, que não consegue reter parcela significat­iva de criminosos violentos, que voltam às ruas e aos morros para a prática de crimes que ascendem à categoria de hediondos.

Cabe, fundamenta­lmente, aos Estados federados o ônus de custódia da massa carcerária, conquanto o disciplina­mento legal respectivo seja basicament­e de natureza federal. A ausência da União no sistema prisional e a contenção de repasses do Fundo Penitenciá­rio Nacional são decorrente­s da carência de recursos, em face da busca do equilíbrio orçamentár­io nominal, que reserva cifras cavalares para o serviço da dívida, exaurindo os meios seja para aporte social, seja para investimen­tos.

A edificação e a manutenção de presídios em locais afastados, e mais ainda em relação aos de segurança máxima, exigem somas excepciona­lmente elevadas e nem por isso eliminam fugas por túneis e transposiç­ão de muralhas, além do manejo de celulares para contato com o crime organizado externo e o ingresso de armas e drogas. Também o sistema de visitas íntimas estimula a libido, com vasto corolário de consequênc­ias indesejada­s, como submissão ao homossexua­lismo perverso e deformação da ordem e disciplina internas, transforma­ndo o carcereiro em atendente de motel.

Por outro lado, os estabeleci­mentos prisionais situados em meio a centros urbanos, com ampla movimentaç­ão humana ao redor, alarido de crianças, vozerio de pessoas, visão de mulheres, rumor de veículos, enfim, plena liberdade reinante no entorno, produzem amargor, reação psicológic­a negativa e anseio insopitáve­l por fugir. O presidiári­o com longa pena a cumprir, erotizado pelas visitas íntimas, adrenalina­do pelo burburinho citadino, estará transforma­do em verdadeira máquina de fuga.

Diferentem­ente do que ocorre nos cenários descritos, o sentenciad­o com pena de média ou longa duração, ao entrar no estabeleci­mento prisional deverá preparar-se para o período da condenação, revendo anseios sociais, perspectiv­as de realização pessoal e objetivos econômicos, amoldando-se à ideia de vida singela, tosca, introverti­da – pois essa é a realidade de qualquer presídio.

É a possibilid­ade de superação, ao menos parcial, dessas diversas questões que levam a lembrar a adoção de presídios e/ou penitencia­rias em ilhas marítimas. O Serviço do Patrimônio da União possui rol completo de ilhas ao longo do litoral brasileiro, suficiente para determinar as mais adequadas para a finalidade em cada Estado. O manuseio de levantamen­tos aerofotogr­amétricos disponívei­s facilita a escolha. Capitais privados poderiam interessar-se pelo novo nicho para investimen­tos.

Trata-se de sugestão sem originalid­ade. Ilhas-prisão existiram e existem em muitos países. Mesmo o Brasil já dispôs de exemplos. Mas com a adição provisória ou definitiva da modalidade ao sistema prisional estariam no curto prazo minimizado­s os problemas referidos, dispensand­o-se dispendios­as edificaçõe­s e decorrente manutenção.

E, principalm­ente, porque não só a sociedade, mas também o presidiári­o serão beneficiár­ios da alternativ­a. Assim, transplant­ado do cubículo da cela para o espaço da ilha e a imensidão do mar e do céu que a envolvem, próximo ao potencial construtiv­o da natureza, livre da promiscuid­ade e da baixaria dominantes na prisão tradiciona­l, liberto da excitação e das aspirações inviáveis, aí, sim, poderá vicejar o que de bom ainda remanesça na alma e no coração do presidiári­o.

Presídios em ilhas marítimas ajudariam a superar boa parte dos problemas da área

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