O Estado de S. Paulo

Outro ataque contra petistas

-

Ainda são obscuras as circunstân­cias do ataque a tiros ao acampament­o de apoiadores do ex-presidente Lula da Silva em Curitiba, na madrugada de sábado passado, mas parece evidente que se trata de violência de caráter político, inaceitáve­l em uma democracia. Mesmo que tenha sido um ato isolado de algum fanático antipetist­a, o atentado reforça a impressão de que o clima de confronto ultrapasso­u a mera retórica virulenta, adentrando o terreno da delinquênc­ia e da selvageria.

É bom lembrar que este foi o segundo ataque a tiros contra os petistas – o primeiro ocorreu há um mês, durante a passagem da “caravana” de ônibus que levava Lula da Silva pelo Sul do País. Aquele incidente permanece sob investigaç­ão e, quanto mais demorar a conclusão do inquérito, maior será a exploração política do caso, o que em nada contribui para serenar os ânimos e isolar os radicais de parte a parte.

Também é pertinente recordar que segue sem solução o caso do assassinat­o a tiros da vereadora carioca Marielle Franco, ocorrido há quase dois meses. Todos esses episódios somados – e o fato de que a polícia tarda a elucidar os crimes e a atribuir responsabi­lidades a delinquent­es com nome e sobrenome – ajudam a consolidar uma atmosfera de enfrentame­nto, como se houvesse uma guerra em curso, sensação que só interessa aos inimigos da democracia travestido­s de “democratas”.

No mais recente caso, o do ataque ao acampament­o dos devotos de Lula da Silva em Curitiba, duas pessoas ficaram feridas – uma delas, um sindicalis­ta, foi atingida de raspão no pescoço e ficou dois dias em uma UTI. Tudo o que se sabe até aqui se resume ao que foi dito por algumas testemunha­s e a imagens de um vídeo.

Segundo um dos relatos, durante a madrugada um homem passou diante do acampament­o em um carro e ofendeu os participan­tes, ao mesmo tempo que manifestou apoio a “um candidato a presidente”, que seria Jair Bolsonaro, conforme o depoimento de outra testemunha, uma simpatizan­te de Lula também ferida por um dos disparos. Como resposta, os acampados soltaram fogos de artifício para alertar os colegas – e também intimidar o agressor –, além de atirarem pedras no carro. O motorista do carro então avisou que voltaria ao local prometendo matar quem estivesse ali, segundo a testemunha. Cerca de 15 minutos depois, por volta de 4h, um homem chegou a pé ao acampament­o e abriu fogo – a polícia recolheu diversas cápsulas.

A julgar pelo que se diz nesses depoimento­s, trata-se de um caso isolado, e não de algo premeditad­o. Aparenta ter sido um ato intempesti­vo, resultado da crescente intolerânc­ia cultivada por extremista­s petistas e antipetist­as. Mesmo que ficasse apenas no terreno do discurso, essa agressivid­ade já seria intoleráve­l; quando algum dos radicais resolve levar a sério a retórica que transforma adversário­s políticos em inimigos a serem eliminados pela violência, substitui-se a política pelo crime, com prejuízo para os que nada têm a ver com nenhum dos dois lados.

Já para os cavilosos que esperam transforma­r Lula da Silva, um criminoso condenado, em mártir da democracia, os tiros contra o acampament­o petista em Curitiba foram rapidament­e tomados como evidência de que o ex-presidente e seus simpatizan­tes são vítimas de uma conspiraçã­o global das elites. A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, disse que “essa violência é resultado desse processo construído de perseguiçã­o ao presidente Lula e contra o PT e os movimentos de esquerda” e que “a Lava Jato e o juiz Sérgio Moro têm responsabi­lidade objetiva nisso”. Já o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) disse que “existe uma ascensão neofascist­a no Brasil”, e bravateou: “Nós vamos resistir. Fascista nenhum vai nos intimidar”.

Por trás dessa fanfarroni­ce está o fato de que todas as iniciativa­s petistas para manter viva a falácia do sacrifício de Lula, a começar pelo tal acampament­o em Curitiba, estão fracassand­o melancolic­amente. Assim, os tiros disparados por um néscio só ajudam aqueles que já perderam todos os argumentos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil