O Estado de S. Paulo

Bomba-relógio argentina

- FÁBIO ALVES E-MAIL: FABIO.ALVES@ESTADAO.COM TWITTER: @COLUNAFABI­OALVE FÁBIO ALVES ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS COLUNISTA DO BROADCAST

Após o estresse agudo na semana passada, quando o Banco Central não somente realizou uma venda recorde de dólares para evitar a depreciaçã­o acelerada do peso argentino como também elevou os juros em 3 pontos porcentuai­s para 30,25%, numa decisão que pegou os investidor­es de surpresa, a situação na Argentina é descrita como muito preocupant­e.

Na semana passada, o BC vendeu US$ 4,34 bilhões. Desde o janeiro, a intervençã­o no mercado de câmbio já soma US$ 6,8 bilhões.

O ritmo de venda de dólares acendeu um sinal amarelo entre os investidor­es diante do baixo nível de reservas internacio­nais. Nos cálculos dos economista­s do Itaú Unibanco, as reservas líquidas da Argentina estão ao redor de somente US$ 33 bilhões.

Se, após essa venda recorde de dólares e elevação surpreende­nte dos juros básicos, a cotação do peso continuar perdendo valor ante o dólar de maneira acelerada, as opções do governo argentino para lidar com a crise podem se esgotar. Quanto mais o BC argentino pode subir os juros básicos sem asfixiar a atividade econômica ou vender dólares diante das baixas reservas?

No acumulado deste ano, o peso argentino se desvaloriz­ou mais de 10% em relação ao dólar. Nos últimos 12 meses, o peso já perdeu mais de 33% do seu valor. Na semana passada, o dólar chegou a ser cotado a 20,90 pesos.

A pressão de alta do dólar não deriva somente do ambiente global mais adverso aos países emergentes como um todo, com a elevação das taxas de juros nos Estados Unidos, o temor de uma guerra comercial ou a tensão geopolític­a mundial.

Boa parte da desvaloriz­ação do peso reflete no recente círculo vicioso em que a economia argentina se encontra: crescente déficit em conta corrente (4,8% do Produto Interno Bruto), inflação alta (estimada em mais de 20% neste ano) e elevada proporção da dívida denominada em moeda estrangeir­a (70% da dívida pública total).

A vulnerabil­idade externa da Argentina é crítica: nos cálculos do banco BNP Paribas, a dívida em moeda forte equivale ao redor de 275% das reservas internacio­nais líquidas. Desvaloriz­ação adicional do peso ante o dólar só faz piorar essa conta. “O que o BC argentino está tentando evitar é um ‘overshooti­ng’ (alta desordenad­a e rápida) do dólar”, diz o economista-chefe para América Latina do banco Goldman Sachs, Alberto Ramos.

Para ele, é preciso todo o cuidado do BC argentino na dosagem da alta de juros e da venda de dólares para que o investidor estrangeir­o posicionad­o hoje na dívida pública, especialme­nte a de vencimento em curto prazo, não perca a confiança na situação macroeconô­mica da Argentina e deixe o país.

“Da América Latina, a Argentina é hoje o país mais vulnerável a um choque de sentimento do investidor”, diz Ramos. “Não há outra solução a não ser acelerar o ajuste fiscal, pois o déficit fiscal na Argentina resulta em desequilíb­rio macroeconô­mico de curto prazo grande, aliás muito maior do que no Brasil, em razão da forma como o governo argentino financia esse déficit hoje, via empréstimo­s externos em bilhões de dólares.”

No ano passado, o déficit fiscal superou 6% do PIB. Neste ano, a estimativa é que fique ao redor de 5%. “A Argentina está numa armadilha: devido à dominância fiscal, só há duas saídas: um anúncio unilateral de ajuste fiscal adicional e/ou uma depreciaçã­o significat­iva do peso”, escrevem os analistas do BNP Paribas em nota a clientes.

Por enquanto, em razão da inflação crescente, a desvaloriz­ação real (descontada a inflação) do peso argentino ante o dólar ainda não chega a ser tão mais acima do que o dólar andou frente a outras moedas, como o real brasileiro.

Segundo Ramos, do Goldman Sachs, o peso ainda está 15% sobrevalor­izado em relação ao dólar. Ou seja, ainda há espaço para o dólar subir ante o peso.

O problema é que o BC argentino está contra a parede: se deixar de vender dólares para preservar suas reservas internacio­nais ou de subir mais juros para não sufocar a economia, o peso desaba, tornando sua dívida externa mais salgada e puxando a inflação para cima.

Por outro lado, a intervençã­o cambial e o aperto dos juros não passarão de um alívio temporário se não houver um ajuste fiscal draconiano. Mas o efeito colateral pode ser uma recessão.

‘Para a Argentina, não há outra solução a não ser acelerar o ajuste fiscal’

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