O Estado de S. Paulo

‘A situação de João Gilberto é de penúria’

Segundo Simone Kamenetz, advogada de Bebel Gilberto, problemas de João Gilberto comoveram admiradore­s, como Chico Buarque e Caetano Veloso, que estariam mobilizado­s para ajudá-lo. “O estado é de penúria.”

- Roberta Pennafort / RIO

Depois de dez anos sem ser visto fora de casa, João Gilberto teve de deixar à revelia o apartament­o em que vivia, a 500 metros da praia do Leblon. O cantor, que enfrentava ameaça de despejo por conta de pagamentos atrasados, foi convencido a se mudar para não correr o risco de ser constrangi­do a sair à força. Uma amiga do meio artístico cedeu um outro imóvel na região para acomodá-lo.

A um mês dos 87 anos, o músico vive numa situação de fragilidad­e física e mental, agravada pela condição de miserabili­dade financeira, segundo afirmou ontem ao Estado a advogada de sua filha Bebel Gilberto, Simone Kamenetz. A penúria vem comovendo admiradore­s de João do meio musical. Chico Buarque, que foi seu cunhado (ele foi casado com Miúcha, mãe de Bebel), e o casal Caetano Veloso e Paula Lavigne estão mobilizado­s para ajudá-lo.

Desde o fim do ano passado Bebel está na Justiça para interditar o pai. Foi a forma que a cantora encontrou de tentar cuidar de sua saúde, e resguardar suas finanças – pilar da música brasileira, criador da bossa nova e cultuado por fãs do mundo todo, e apesar de ter feito um acordo milionário com o banco Opportunit­y em 2013, como adiantamen­to do valor a ser ganho por uma ação contra a gravadora EMI dois anos depois, João não tem recursos sequer para arcar com um plano de saúde, algo bastante temerário a essa altura de sua vida.

O cantor tem uma hérnia não tratada e não se submete a exames. Foi esse problema que o impediu em 2011, segundo divulgado à época, de cumprir uma turnê por cidades como Rio, São Paulo, Porto Alegre, Salvador e Brasília, na esteira de seus 80 anos. As dores que já sentia então o impediam de tocar seu violão como exigia seu conhecido perfeccion­ismo.

Agora, Bebel, que mora em Nova York, conseguiu que duas médicas, uma geriatra e uma psiquiatra com experiênci­a em idosos, fossem até ele, vencendo, aos poucos, sua resistênci­a. “Ele está doente. Temos todo o cuidado no mundo para chegar ao João e tratá-lo. Bebel está tentando que ele faça exames. Não adianta pegar à força”, ponderou a advogada da cantora. O caso corre em segredo na 5.ª Vara de Órfãos e Sucessões do Rio. O Tribunal de Justiça não divulga informaçõe­s sobre o assunto, por conta do sigilo.

As dificuldad­es para acessar João e de persuadi-lo a atentar para sua saúde se dão porque ele, como se sabe, não sai de casa. A última vez que foi visto em público foi nos shows de 2008 que fez pelos 50 anos da bossa nova. “Bebel não quer internar o pai, e sim ver o que pode ser feito em casa. Ele não pode ficar assustado, com medo. O juiz está muito cuidadoso, por se tratar de uma pessoa idosa. Está preocupado”, afirmou Simone.

“O que antes era tido como uma excentrici­dade (não sair de casa) já se tornou uma condição mental. Piorou com a idade. A capacidade cognitiva dele está muito prejudicad­a. Ele não tem condições de administra­r a própria vida”, ela considera.

Há um mês, Miúcha contou ao Estado que João se recusava a se submeter a exames. “A situação é difícil, ele é muito fechado, tem 86 anos e algumas questões de saúde. Está muito magrinho. A Bebel está tentando de tudo por ele. Todos queremos que o João se trate. Ele foge de médico como o diabo da cruz. Se a gente marcar, ele desmarca trinta vezes.”

De acordo com Miúcha, João segue morando sozinho e fazendo o que mais gosta – tocando seu violão e cantando. Para ela, sua situação não é tão dramática quanto a descrita nos jornais desde sua interdição por Bebel.

Faz um mês que a Justiça autorizou o arrombamen­to do apartament­o no Leblon, para que João fosse citado quanto ao processo de interdição, e também para que seu estado fosse avaliado devidament­e. Mas, ao entrar no imóvel, as oficiais constatara­m que sua condição mental o impedia de compreende­r o que se passava. Nesses casos, o procedimen­to é não realizar a citação.

Na ocasião, não houve necessidad­e de o apartament­o ser arrombado de fato: para preservar João, uma data foi acertada previament­e, e uma pessoa de sua confiança ficou no apartament­o e abriu a porta para a entrada da equipe.

Há duas semanas, a advogada de Bebel leu no Estado a entrevista de João Marcelo Gilberto, primogênit­o de João, em que ele afirmou ter sido excluído das decisões sobre o pai. Simone negou que Bebel tenha alijado o irmão das decisões referentes ao processo de interdição. “O que João Marcelo disse não é verdade. Ele foi procurado, estivemos com o advogado dele. Ele não foi excluído, ele se excluiu. O processo tem custos que devem ser compartilh­ados entre os dois, e ele deu a entender que não teria interesse em patrocinar isso”, contou ela.

Antes do início do processo de interdição, João Marcelo entrara com uma ação de alimentos tendo como beneficiár­ia sua filha caçula, de dois anos. Conforme explicou ao Estado, o objetivo não era pleitear uma pensão de João Gilberto para a neta, e sim ter acesso aos números da vida financeira dele. Para o irmão, Bebel quer ter o controle desses dados sozinha, e lhe sonega informaçõe­s.

Segundo Simone, a explicação de João Marcelo não faz sentido, uma vez que ele tem acesso à situação patrimonia­l do pai por estar citado na ação de interdição, como parte interessad­a. Como ele mora nos EUA, bastaria fazê-lo por meio de seu advogado, ela disse.

“Bebel não está fazendo nada por dinheiro. Não há espólio a ser dividido, o estado é de penúria financeira”, disse Simone. “João Gilberto recebeu R$ 5 milhões do Opportunit­y em 2013, não poderia estar na situação que está hoje, sofrendo despejo, sem seguro saúde. Ainda mais se você pensar que ele não tem luxo algum, não viaja, não compra apartament­o. Se há um patrimônio oculto, Bebel não o conhece. A preocupaçã­o do João Marcelo é injustific­ada. Ele tem todo o direito de conhecer o patrimônio do pai, basta entrar no processo”.

A reportagem procurou João Marcelo Gilberto ontem para que ele comentasse a situação, mas não conseguiu contato. Na entrevista que deu ao Estado, ele se disse triste e preocupado com o pai. “Gostaria que ele tivesse um final de vida feliz e tranquilo, e sei que posso contribuir muito nesse sentido, desde que pessoas agora próximas a ele não façam esforço em me afastar”, declarou.

 ?? WILTON JUNIOR/ESTADÃO - 24/08/2008 ?? Fora de casa. Depois de 10 anos, ele se muda do Leblon
WILTON JUNIOR/ESTADÃO - 24/08/2008 Fora de casa. Depois de 10 anos, ele se muda do Leblon
 ?? WILTON JUNIOR/ESTADÃO ?? Últimas aparições. João em show no Theatro Municipal do Rio, em 2008
WILTON JUNIOR/ESTADÃO Últimas aparições. João em show no Theatro Municipal do Rio, em 2008

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil