O Estado de S. Paulo

A responsabi­lidade da União

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É imperioso que a União faça um minucioso levantamen­to do estado de seus imóveis e dê a eles os fins atinentes.

Merece registro a visita do presidente Michel Temer ao local dos escombros do Edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paiçandu, região central de São Paulo, onde centenas de servidores públicos e voluntário­s trabalham na remoção dos entulhos, no socorro às vítimas e na busca de pessoas considerad­as desapareci­das.

A grande impopulari­dade de Michel Temer não o desviou de seu dever como presidente da República. Horas após o acidente, Temer foi ao local e fez o que sua antecessor­a não fez em situações bem mais graves, como foram as tragédias em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, e em Mariana, em Minas Gerais, para citar apenas dois desastres recentes.

Evidente que o presidente foi bastante hostilizad­o por integrante­s dos ditos movimentos sociais, grupos organizado­s que vivem da exploração dos dramas alheios para fins políticos e, como mostrou a reportagem do Estado, também para fins pecuniário­s. Vários ocupantes do imóvel, que é da União, um bem público, revelaram pagar ao Movimento Luta por Moradia Digna (LMD) um valor mensal a título de “custeio de manutenção” do local entre R$ 250 e R$ 500. Resta saber o exato destino que o tal LMD deu ao dinheiro. Para a manutenção do imóvel não foi.

Entretanto, o fato de o presidente Michel Temer ter ido ao local do desabament­o e, por meio deste gesto, ter dado ao desastre a dimensão correta de sua gravidade não significa que sua manifestaç­ão pública sobre o triste acontecime­nto tenha sido de todo correta.

Como já foi dito, o Edifício Wilton Paes de Almeida é um patrimônio da União. O local já foi sede da Polícia Federal e do INSS em São Paulo. Desde 2009 estava ocioso e foi colocado em leilão, sem que houvesse interessad­os em dar lances pelo imóvel, que, então, veio a ser ocupado de forma ilegal e insalubre por cerca de 150 famílias.

Aos jornalista­s, o presidente Temer afirmou que a União ainda não havia pedido à Justiça a reintegraç­ão de posse do imóvel porque o local era ocupado “por gente muito pobre”. “Nós não pudemos pedir a reintegraç­ão porque era, afinal, gente muito pobre, uma situação difícil, naturalmen­te. Mas agora serão tomadas as providênci­as para dar assistênci­a (àquelas

pessoas)”, disse Temer. Ora, a preocupaçã­o de cunho humanitári­o manifestad­a pelo presidente, ainda que louvável, deveria ter inspirado ações prévias do poder público – nas três esferas de governo – que impedissem, isso sim, que um imóvel naquelas condições fosse invadido para servir de moradia. Além de não ter sido construído como um prédio residencia­l, e sim comercial, o Edifício Wilton Paes de Almeida se encontrava em péssimas condições de infraestru­tura.

A inação do poder público, neste caso, funcionou como uma espécie de autorizaçã­o tácita para aquela e outras invasões. Ou pelo menos para a permanênci­a de cerca de 200 pessoas em local sabidament­e inóspito. E, uma vez ocupados, o Estado não tem qualquer conhecimen­to ou controle sobre o que ocorre nesses imóveis.

De acordo com os dados da Secretaria do Patrimônio da União, vinculada ao Ministério do Planejamen­to, apenas no Município de São Paulo, a União possui 1.035 imóveis. Do total, 299 são de natureza dominial, ou seja, imóveis da União que não são ocupados pela Administra­ção Pública, mas sim cedidos a terceiros por meio de instrument­os de regulariza­ção fundiária, como aforamento­s, Concessões de Direito Real de Uso (CDRU) e Concessão de Uso Especial Para Fins de Moradia (Cuem).

Diante da tragédia da terçafeira passada e das que, infelizmen­te, podem vir a ocorrer, é imperioso que a União faça um minucioso levantamen­to do estado de seus imóveis em São Paulo e dê a eles os fins atinentes. Os que não são adequados para servir de moradia não podem, é evidente, ser destinados à ocupação social.

Ao Estado e ao Município, dentro de suas respectiva­s atribuiçõe­s, cabe agir para evitar novas ocupações em seus próprios imóveis e remover as que representa­m risco. Haverá grita política, mas vidas serão salvas.

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