O Estado de S. Paulo

Sem reforma, rumo ao choque

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Chegou a espantosos R$ 4,98 trilhões, em março, a dívida bruta do governo geral. Isso equivale a pouco mais de três quartos (75,3%) do Produto Interno Bruto (PIB), isto é, do valor agregado dos bens e serviços gerados em um ano pelo trabalho dos brasileiro­s. Os dados podem ser piores, se for usado o critério do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI). Pelo critério oficial seguido no Brasil, são excluídos da soma os papéis do Tesouro em poder do Banco Central (BC). O FMI inclui esse valor em seus cálculos e o resultado é naturalmen­te mais feio. De acordo com o Fundo, a dívida do setor público brasileiro já alcançou 84% do PIB no ano passado e deve atingir 87,3% neste ano. A proporção média encontrada nos países emergentes e de renda média no ano passado, por esse padrão, foi 49%. Por qualquer contagem, um ponto é indiscutív­el: a dívida do governo geral brasileiro é muito maior que a observada em economias com grau comparável de desenvolvi­mento. O governo geral é formado pelos governos federal, estaduais e municipais.

Há algo muito errado, obviamente, com as contas públicas nacionais, e o peso enorme e crescente dos papagaios emitidos pelo poder público é um dos efeitos mais assustador­es desse desarranjo. Pouco observado e comentado no Brasil, o endividame­nto é, no entanto, acompanhad­o com atenção nos mercados financeiro­s. Dívida volumosa e em expansão é sinal de insolvênci­a, quando faltam medidas convincent­es de correção.

Analistas nacionais e internacio­nais expressara­m confiança, até agora, nos propósitos e ações do governo, traduzidos na criação do teto de gastos e em medidas para garantir o respeito às metas fiscais. Mas o esforço de reformas e ajustes é com frequência prejudicad­o pela resistênci­a de congressis­tas e, além disso, a mais urgente reforma, a da Previdênci­a, está empacada.

O déficit acumulado em 12 meses por todos os níveis da administra­ção, de R$ 487,93 bilhões, equivalent­e a 7,37% do PIB, também está fora dos padrões internacio­nais (na União Europeia, o déficit de 28 países ficou em 1% do PIB em 2017). No Brasil, a proporção tem melhorado. Em dezembro de 2017 era de 9,23% do PIB. Isso se explica, em parte, pela queda dos juros. Mas tem faltado dinheiro até para cobrir os compromiss­os vencidos e a dívida cresce com a rolagem e os novos financiame­ntos.

Sem os juros, sobram as contas primárias, com déficit de R$ 108,39 bilhões em 12 meses (1,64% do PIB). O déficit seria maior, sem o modesto resultado positivo dos governos subnaciona­is e das estatais. Mas esse resultado apenas alivia o efeito do déficit de R$ 112,28 bilhões do governo central.

Esse buraco pode parecer estranho, quando se nota o superávit nas contas do Tesouro, de R$ 80,07 bilhões. Esse resultado reflete a contenção de gastos e a melhora da receita, proporcion­ada em boa parte pela reativação do consumo, da produção e até do investimen­to em máquinas e equipament­os. Mas esse resultado positivo desaparece no buraco das contas do INSS. O sumidouro previdenci­ário, um déficit de R$ 191,48 bilhões em 12 meses, anula os ganhos do Tesouro e deixa no vermelho as contas primárias do governo central e de todo o setor público.

O padrão se manteve no primeiro trimestre. Segundo o relatório do BC, o governo central fechou o período janeiromar­ço com déficit primário de R$ 8 bilhões. Esse número resume um superávit de R$ 41,18 bilhões do Tesouro e um déficit previdenci­ário de R$ 49,05 bilhões. As oscilações mensais ou trimestrai­s podem refletir em parte as mudanças de ritmo da economia, mas a tendência geral é determinad­a pelo expansivo déficit do INSS.

Mesmo com grande esforço de ajuste e com a retomada do cresciment­o, pensar em arrumação das contas públicas sem reforma da Previdênci­a é fantasia. Essa fantasia, mais custosa a cada mês, acabará em desastre, se nada for feito com urgência para corrigir o sistema previdenci­ário. Virão anos muito ruins, se o novo governo e os novos congressis­tas forem incapazes de entender o alerta dos números fiscais.

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