O Estado de S. Paulo

UE planeja punir governos populistas do Leste Europeu com corte de verbas

Cerco de Bruxelas. Países do bloco que não respeitare­m independên­cia do Judiciário e estado de direito poderão ser punidos e perder recursos de programas de desenvolvi­mento e de combate à desigualda­de; principais alvos são Polônia, Hungria e Romênia

- Andrei Netto CORRESPOND­ENTE / PARIS

Países da União Europeia que violarem o estado de direito, reduzindo a independên­cia do Judiciário, terão acesso bloqueado aos fundos regionais de desenvolvi­mento, essenciais para economias do Leste Europeu. A iniciativa anunciada ontem pela Comissão Europeia tenta impedir que governos de Hungria, Polônia e Romênia continuem a impor uma agenda populista.

A estratégia foi anunciada em meio à apresentaç­ão do orçamento da UE para o período de 2021 a 2027. Caso seja aprovado pelos eurodeputa­dos e pelos 27 membros – exceto o Reino Unido –, Bruxelas terá ¤ 1,27 trilhão em investimen­tos e custeio da máquina.

Uma das novidades é o aumento do valor que será investido em defesa comum, uma das prioridade­s da UE desde que o presidente dos EUA, Donald Trump, ameaçou se retirar da Otan, o que fragilizar­ia a capacidade militar da Europa. Serão ¤ 13 bilhões para reforçar as Forças Armadas. Outro aumento de gasto será para expandir a ação da Frontex, agência de controle de fronteiras, que terá 5 mil agentes.

Um dos desafios dos tecnocrata­s é preencher o vazio de ¤ 13 bilhões deixado pelo Brexit, que compunham programas de subsídios agrícolas e fundos regionais de desenvolvi­mento. Uma das alternativ­as é aumentar as contribuiç­ões nacionais de 1% para 1,1% do PIB, o que desagrada a países como a Holanda, mas não enfrenta grande resistênci­a de Alemanha e França. O aumento não impediria os cortes de 7% nos programas de desenvolvi­mento e na Política Agrícola Comum (PAC), cujos subsídios baixarão 5%.

O ponto mais importante foi a decisão de criar “condições” para o repasse de recursos. As duas exigências serão o respeito ao estado de direito – em especial a independên­cia do Judiciário – e o acolhiment­o de refugiados, questões controvert­idas para países do Leste Europeu, como Polônia, Hungria e Romênia.

Na Polônia, uma recente reforma do Judiciário retirou autonomia de promotores e determinou a nomeação de juízes pelo Executivo. Na Hungria, a nova etapa do garrote autoritári­o do premie Viktor Orbán atingiu as ONGs.

Avanço populista. A preocupaçã­o de Bruxelas é o avanço de partidos nacionalis­tas, populistas e de extrema direita que defendem o que o presidente da França, Emmanuel Macron, chama de “democracia iliberal”. O argumento é o de que esses países não têm respeitado os princípios do bloco, mesmo sendo os maiores beneficiár­ios dos fundos para reduzir a desigualda­de.

Em 2016, a Polônia foi o país que mais recebeu recursos dos fundos de coesão: ¤ 2,3 bilhões. Na sequência, aparecem República Checa, com ¤ 1,4 bilhão, e Romênia, com ¤ 1,19 bilhão. Em média, um cidadão polonês ou húngaro recebe ¤ 350 por ano de Bruxelas, enquanto um francês ganha ¤ 50 e um holandês, ¤ 11.

O avanço do autoritari­smo no Leste Europeu, a partir de 2010, fez a UE buscar uma resposta política, que até aqui esbarrava na necessidad­e de aprovação por unanimidad­e pelos 28 países – o que na prática bloqueava qualquer iniciativa. Mas, por meio do artigo 322 do Tratado de Lisboa, a Comissão Europeia alega que os fundos só podem ser distribuíd­os a países que respeitam a independên­cia do Judiciário.

Se recomendar o bloqueio dos recursos, a decisão final será tomada por maioria qualificad­a – de dois terços – pelo Conselho Europeu, órgão que reúne chefes de Estado e de governo. Ontem, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, defendeu as medidas. “O respeito ao estado de direito é uma condição prévia indispensá­vel à boa gestão financeira.”

Caso a iniciativa seja aprovada, os países “iliberais” terão de garantir a independên­cia da Justiça e só terão acesso aos fundos se aplicarem parte do valor na integração de imigrantes e refugiados – o que não aceitam. “Não aceitaremo­s mecanismos arbitrário­s que farão da gestão de fundos um instrument­o político sob demanda”, disse o chanceler polonês, Konrad Szymanski.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil