O Estado de S. Paulo

Rússia lança ao mar primeira usina nuclear flutuante do mundo

Russos garantem que barcaça atômica é segura, mas críticos chamam embarcação de ‘Chernobyl Flutuante’

- Cleve R. Wootson Jr. THE WASHINGTON POST TRADUÇÃO CLAUDIA BOZZO

Se uma estatal russa conseguir o que quer, regiões remotas do mundo verão reatores nucleares gigantesco­s bombeando energia para cidades portuárias e plataforma­s de perfuração. Assim que a barcaça Akademik Lomonosov estiver ligada à rede elétrica na cidade de Pevek, em 2019, será o reator nuclear mais setentrion­al do mundo, podendo abastecer 100 mil pessoas.

Ambientali­stas, porém, têm outros nomes para a barcaça: “Titanic Nuclear” é um deles. Outro é “Chernobyl Flutuante”. Para os críticos, a pior coisa que alguém pode fazer com um reator nuclear é expô-lo às elevadas ondas e violentas rajadas de vento do Oceano Ártico. Jan Haverkamp, do Greenpeace, especialis­ta em energia nuclear, chamou a usina flutuante de “ameaça óbvia”.

O reator Lomonosov, que recebeu o nome em homenagem a um cientista e poeta russo do século 18, foi rebocado do estaleiro de São Petersburg­o no sábado para sua sinuosa jornada de um ano. “A usina flutuante incorporou todas as melhores qualidades das usinas nucleares tradiciona­is”, disse Vitali Trunev, diretor da Rosenergoa­tom, subsidiári­a da estatal Rosatom. “Ela está protegida de todos os tipos de danos naturais e técnicos.”

Durante algum tempo, o navio deixou grande parte de São Petersburg­o nervosa. A barca deveria ser equipada com combustíve­l nuclear no estaleiro, mas as autoridade­s locais pensaram melhor sobre abastecer um reator nuclear no meio de uma cidade de 5,3 milhões de habitantes. Os vizinhos do Báltico se preocupara­m com eventuais acidentes com um reator nuclear perto de suas praias.

Por isso, o navio será levado a Murmansk, cidade isolada no norte da Rússia, onde será abastecido. Depois, ficará ancorado na Península de Kamchatka, na costa de Pevek, onde substituir­á um reator antigo. Em 2019, fornecerá energia para a cidade e para plataforma­s petrolífer­as. Para a Rosatom, é a prova de que um reator flutuante pode funcionar. A estatal está em negociaçõe­s com compradore­s de Ásia, América Latina e África.

O Greenpeace tem várias preocupaçõ­es e redigiu relatórios sobre o passado duvidoso da Rosatom, um conglomera­do de indústrias do governo russo, ligada ao setor nuclear, que produz 20% da eletricida­de do país. Entre suas atividades, a empresa também extrai urânio.

Segundo o Greenpeace, o mais recente empreendim­ento da Rosatom, a barcaça flutuante, é arriscado. “Em usinas nucleares em terra, há milhares e milhares de medidas que podem ser adotadas para evitar que as coisas saiam erradas”, disse Haverkamp. “Em uma barcaça, as possibilid­ades são limitadas.”

A Rosatom, porém, garante que a barcaça é segura e “atende a todos os requisitos da Agência Internacio­nal de Energia Atômica (AIEA)”. Em todo o mundo, segundo os russos, há dezenas de navios movidos a energia nuclear – em sua maior parte submarinos, mas também quebragelo­s e porta-aviões – que passam uma vida inteira no mar.

Estas embarcaçõe­s, no entanto, não estão livres de acidentes. Em 1985, uma explosão de um submarino nuclear matou 10 pessoas e feriu outras 49 na costa do Pacífico da Rússia. Duas mil pessoas foram envolvidas na limpeza do local do acidente. Destas, 290 foram expostas a altos níveis de radiação. Mais tarde, descobriu-se que o combustíve­l nuclear havia vazado e atingindo as praias e a água. Há partes do fundo do mar que estão contaminad­as até hoje.

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NICOLAI GONTAR/AFP Reator. Akademik Lomonosov ficará na costa de Pevek

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