TRUMP E A DIPLOMACIA DO ‘VAMOS VER’
Presidente americano usa expressões vagas para se livrar de perguntas comprometedoras
Confrontos comerciais com a Europa, tensões crescentes com o México, negociações difíceis com a Coreia do Norte e o Irã. O que os americanos podem fazer em tempos incertos? Podem esperar para ver o que acontece.
Donald Trump, que foi eleito na base do “deixa que eu resolvo”, passou o último mês esquivando-se de problemas diplomáticos. “Vamos ver que acontece”, disse ele, na terça-feira, quando questionado se merecia o Nobel da Paz pelas negociações entre as Coreias.
Na véspera, indagado sobre como iam as relações com a Coreia do Norte, respondeu com outro “vamos ver”. Na semana passada, ao falar da cúpula com Pyongyang, não deixou por menos: “Vamos aguardar”. Em pelo menos dez vezes, no mês passado, ele parece ter sucumbido a seu cacoete verbal ao usar variáveis de “vamos ver o que acontece” com líderes de França, Japão e Nigéria.
Trump disse “vamos ver” sobre temas que incluem México, Nafta, Rússia, Amazon, Coreia do Norte, Mike Pompeo, Irã e investigação do promotor especial, Robert Mueller, sobre sua campanha presidencial.
Especialistas que estudaram a fala de Trump dizem que seu “vamos ver o que acontece” pode ser um meio de dirigir uma ameaça velada a adversários imprevisíveis, como o líder nortecoreano, Kim Jong-un. Entretanto, muitos dos que acompanham de perto o comportamento do presidente acham que ele usa a frase para se esquivar de futuras cobranças.
“Sempre que ele fez promessas específicas, como a de que construiria um muro e o México pagaria por ele, teve problemas em sustentá-las”, disse Kathleen Hall Jamieson, diretora do Centro Annenberg de Políticas Públicas da Universidade da Pensilvânia. “Agora, em lugar fazer previsões e se tornar responsável por elas, ele deixa em aberto a possibilidade de ocorrerem variáveis não previstas, pelas quais não assume a responsabilidade.”
Trump não é o primeiro presidente a usar “muletas” verbais para desviar-se de críticas ou driblar perguntas. Para manifestar aprovação, o presidente George W. Bush usava a palavra “fabuloso”, um adjetivo decididamente não texano. Ronald Regan, quando queria fugir de perguntas, cutucava o ouvido e murmurava: “Não estou ouvindo”.
Barack Obama, para prender a atenção do público, usava a frase “vou ser bem claro”. “À medida que ele usava a frase, ela perdia eficiência”, disse David Litt, um dos redatores de discursos de Obama. “Por isso, no segundo mandato, a frase apareceu menos.”
“Trump é diferente de outros presidentes, porque ele parece gostar de falar de improviso sobre assuntos importantes”, disse Kathleen Jamieson, que escreveu exaustivamente sobre o talento do presidente em usar linguagem agressiva para subverter normas políticas.
Kathleen coleciona frases de duplo sentido de Trump. Em “trumpês”, a frase “muita gente está dizendo isso” significa “gostaria que muita gente estivesse dizendo, porque quero que vocês acreditem nisso”. Ou ainda, “as pessoas não sabem” pode significar “acabo de descobrir”. E “acredite em mim”, às vezes, quer dizer “tenho sérias dúvidas”.
Os predecessores de Trump adotavam uma abordagem mais explícita. Kathleen não consegue imaginar o presidente John F. Kennedy dizendo “vamos ver o que acontece” durante a Crise dos Mísseis em Cuba. “Esses presidentes sabiam quais expectativas poderiam se concretizar e como sua retórica poderia ajudar nesse sentido”, disse. “Com Trump, a função de sinalizar o caminho ficou desgastada.”