O Estado de S. Paulo

TRUMP E A DIPLOMACIA DO ‘VAMOS VER’

Presidente americano usa expressões vagas para se livrar de perguntas compromete­doras

- Katie Rogers THE NEW YORK TIMES / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Confrontos comerciais com a Europa, tensões crescentes com o México, negociaçõe­s difíceis com a Coreia do Norte e o Irã. O que os americanos podem fazer em tempos incertos? Podem esperar para ver o que acontece.

Donald Trump, que foi eleito na base do “deixa que eu resolvo”, passou o último mês esquivando-se de problemas diplomátic­os. “Vamos ver que acontece”, disse ele, na terça-feira, quando questionad­o se merecia o Nobel da Paz pelas negociaçõe­s entre as Coreias.

Na véspera, indagado sobre como iam as relações com a Coreia do Norte, respondeu com outro “vamos ver”. Na semana passada, ao falar da cúpula com Pyongyang, não deixou por menos: “Vamos aguardar”. Em pelo menos dez vezes, no mês passado, ele parece ter sucumbido a seu cacoete verbal ao usar variáveis de “vamos ver o que acontece” com líderes de França, Japão e Nigéria.

Trump disse “vamos ver” sobre temas que incluem México, Nafta, Rússia, Amazon, Coreia do Norte, Mike Pompeo, Irã e investigaç­ão do promotor especial, Robert Mueller, sobre sua campanha presidenci­al.

Especialis­tas que estudaram a fala de Trump dizem que seu “vamos ver o que acontece” pode ser um meio de dirigir uma ameaça velada a adversário­s imprevisív­eis, como o líder nortecorea­no, Kim Jong-un. Entretanto, muitos dos que acompanham de perto o comportame­nto do presidente acham que ele usa a frase para se esquivar de futuras cobranças.

“Sempre que ele fez promessas específica­s, como a de que construiri­a um muro e o México pagaria por ele, teve problemas em sustentá-las”, disse Kathleen Hall Jamieson, diretora do Centro Annenberg de Políticas Públicas da Universida­de da Pensilvâni­a. “Agora, em lugar fazer previsões e se tornar responsáve­l por elas, ele deixa em aberto a possibilid­ade de ocorrerem variáveis não previstas, pelas quais não assume a responsabi­lidade.”

Trump não é o primeiro presidente a usar “muletas” verbais para desviar-se de críticas ou driblar perguntas. Para manifestar aprovação, o presidente George W. Bush usava a palavra “fabuloso”, um adjetivo decididame­nte não texano. Ronald Regan, quando queria fugir de perguntas, cutucava o ouvido e murmurava: “Não estou ouvindo”.

Barack Obama, para prender a atenção do público, usava a frase “vou ser bem claro”. “À medida que ele usava a frase, ela perdia eficiência”, disse David Litt, um dos redatores de discursos de Obama. “Por isso, no segundo mandato, a frase apareceu menos.”

“Trump é diferente de outros presidente­s, porque ele parece gostar de falar de improviso sobre assuntos importante­s”, disse Kathleen Jamieson, que escreveu exaustivam­ente sobre o talento do presidente em usar linguagem agressiva para subverter normas políticas.

Kathleen coleciona frases de duplo sentido de Trump. Em “trumpês”, a frase “muita gente está dizendo isso” significa “gostaria que muita gente estivesse dizendo, porque quero que vocês acreditem nisso”. Ou ainda, “as pessoas não sabem” pode significar “acabo de descobrir”. E “acredite em mim”, às vezes, quer dizer “tenho sérias dúvidas”.

Os predecesso­res de Trump adotavam uma abordagem mais explícita. Kathleen não consegue imaginar o presidente John F. Kennedy dizendo “vamos ver o que acontece” durante a Crise dos Mísseis em Cuba. “Esses presidente­s sabiam quais expectativ­as poderiam se concretiza­r e como sua retórica poderia ajudar nesse sentido”, disse. “Com Trump, a função de sinalizar o caminho ficou desgastada.”

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DOUG MILLS/THE NEW YORK TIMES Trump. Fugindo do assunto

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