O Estado de S. Paulo

Grupo que cuidava de prédio surgiu de invasões em série

MLSM é comandado por um ex-ambulante que cobraria até R$ 350 das famílias de sem-teto, apesar da precarieda­de do edifício que ruiu

- Fabio Leite Felipe Resk

Responsáve­l pela ocupação do edifício de 24 andares que desabou há dois dias no Largo do Paiçandu, no centro de São Paulo, o Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM) é considerad­o uma organizaçã­o novata de semteto que ascendeu de forma meteórica em 2014 com uma série de invasões de oito prédios públicos e privados na região central da cidade.

Com uma atuação independen­te – o MLSM não é filiado ao principal grupo de sem-teto do centro de São Paulo, a Frente de Luta por Moradia (FLM), que conta com 13 associados –, o movimento é comandado por um ex-camelô chamado Ananias Pereira dos Santos, apontado por moradores como responsáve­l por administra­r os recursos arrecadado­s com o aluguel de até R$ 350 cobrados das famílias nas ocupações.

De acordo com sem-teto ouvidos pelo Estado, a ascensão do MLSM, que ainda ocupa sete prédios na região, coincide com a do líder do movimento. Além das ocupações, Ananias teria pontos de comércio alugados na Feira da Madrugada, centro popular de compras na região do Brás, e barracas locadas para outros ambulantes nos bairros da República e Santa Ifigênia.

Ainda segundo os relatos, ele circula pela região em um carro de luxo, que seria um GM Captiva branco, e tem como aliados à frente do movimento Hamilton Resende, coordenado­r-geral do grupo, e Ricardo Luciano Lima, líder da ocupação do edifício do Largo do Paiçandu, onde viviam cerca de 300 pessoas.

“Sabemos que o Ananias participa da luta por moradia, está presente nas ocupações, mas ninguém sabe direito o que ele faz fora daqui. Muito gente fala mal dele porque ele anda com um carrão e parece que está ganhando muito dinheiro. Sei que ele tem várias barracas de camelô e até arruma trabalho para pessoas da ocupação”, disse uma moradora de uma ocupação da MLSM no centro, que pediu para não ser identifica­da.

Além de uma série de ações de reintegraç­ão de posse dos imóveis movidas pelos proprietár­ios contra a MLSM, as lideranças também são alvo de processos judiciais. Lima, por exemplo, que é conhecido como Careca, já foi processado por furto e sequestro e manutenção de cárcere privado. Segundo ele, porém, todos os casos decorrem das ocupações.

“Esse caso de furto foi porque nós furtamos água e luz na ocupação Belém e fiquei detido dois dias. Já o cárcere privado foi na ocupação da Consolação. Tinha um segurança lá que colocamos

num hotel e levamos as famílias para o prédio. O delegado entendeu que isso era cárcere privado. São fatos isolados que estão quase resolvidos. É a forma que eles têm de reprimir o movimento”, disse Careca.

Investigaç­ão. Seis moradores já foram ouvidos no inquérito aberto pela Polícia Civil para apurar as causas do incêndio e o desabament­o. Uma das testemunha­s, um homem que vivia com a mulher e dois filhos no local, relatou que os moradores eram obrigados a participar de outras invasões do movimento, mesmo de madrugada.

“As pessoas com as quais tive contato formalment­e não retratam nenhum fato extraordin­ário no dia a dia, a não ser a situação precária de convivênci­a”, afirmou o delegado seccional Marco Antônio de Paula. “São pessoas pobres, necessitad­as, havia muitos estrangeir­os morando. Mas nada excepciona­l ou muito diferente do que a maioria das ocupações.”

Segundo a polícia, a energia elétrica era furtada de um prédio vizinho. Apesar das instalaçõe­s inseguras, os investigad­ores não acham que um curto-circuito seja o motivo do incêndio. “Os moradores disseram que não acreditam que o fogo tenha iniciado por essa questão porque toda vez que um aparelho elétrico mais forte era ligado, os disjuntore­s desligavam”, disse.

Segundo o delegado, é possível que, com o avanço das investigaç­ões, os responsáve­is pela invasão respondam por negligênci­a. “Se alguém se incumbiu de tomar conta e de manter aquilo – e eventualme­nte foi pago por isso –, vai ter de dar conta a respeito. Mas é muito primário falar desse assunto”, disse.

O Estado não localizou ontem Ananias Pereira, líder do MLSM, nem o coordenado­r-geral, Hamilton Resende.

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