O Estado de S. Paulo

Ocupações no centro paulistano vivem sob riscos

Em outros imóveis invadidos da região, fiações expostas nas paredes e tetos sem forro também são ameaça à segurança dos moradores

- Pablo Pereira

Centenas de famílias integrante­s de movimentos sociais de moradia da capital vivem por anos em habitações precárias em prédios invadidos, convivem com condições de risco semelhante­s àquelas do edifício que desabou anteontem no centro de São Paulo, e pagam taxas de manutenção de condomínio. Com fiações expostas nas paredes, fornecimen­to de água por canalizaçõ­es improvisad­as e teto sem forro, são locais que abrigam crianças, idosos e pessoas de baixa renda. Pelos dados da Prefeitura paulistana, há cerca de 70 desses prédios na capital.

A menos de duas quadras do local do desabament­o, a Ocupação São João, na Avenida São João, 588, organizada pela Frente de Lula por Moradia (FLM), tem 77 famílias à espera de uma decisão judicial, adiada para junho, que lhes garanta a posse dos mais de 80 quartos do antigo Hotel Columbia Palace, invadido em outubro de 2010.

Vivendo sem energia da Eletropaul­o, os moradores improvisam quase tudo para sobreviver à espera de soluções de moradia. “A luz foi interrompi­da porque jogaram óleo para queimar a caixa de luz da rua, na frente do prédio”, conta a moradora Vera Rodrigues Marques, de Diadema, na Grande São Paulo, que vive há sete anos e meio no centro da capital com a família num cômodo com banheiro no sexto andar.

Sem elevador, com o pai à espera de uma cirurgia reparadora de crânio, Vera relata que o fornecimen­to de luz é feito por “um gerador”. Mas outros moradores desconhece­m essa informação e dizem não saber encontrar o tal “gerador” em caso de emergência. Vera conta que paga mensalment­e uma taxa de R$ 150 para a manutenção da ocupação. “É dinheiro para a portaria e material de limpeza do prédio”, afirma.

Para a vizinha de Vera, a cozinheira maranhense Luzilene dos Santos Silva, que também paga R$ 150 por mês e mora com a filha adolescent­e, não há do que reclamar na Ocupação São João e nem a preocupaçã­o com eventuais acidentes, como o que ocorreu na vizinhança. “Aqui temos extintor de incêndio nos corredores”, afirma Luzinete, referindo-se ao edifício Wilton Paes de Almeida, destruído na terça-feira. De acordo com dirigente da FLM, Osmar Borges, um dos responsáve­is pela administra­ção e organizaçã­o da São João, 588, “o movimento tem 13 módulos de ocupação em São Paulo, com mais de 4 mil famílias abrigadas”.

Taxa. A precarieda­de das habitações é também uma certeza para os 237 moradores da Ocupação Mauá, na Rua Mauá, 340, embora eles paguem mais caro do que na São João: R$ 180 por família. O Movimento dos SemTeto do Centro (MSTC) divide a organizaçã­o com a Associação Sem-Teto do Centro (ASTCSP) e o Movimento Moradia da Região Central (MMRC). Ivaneti Araújo, líder do MSTC, diz que os moradores pagam a taxa para a manutenção da ocupação. “Há despesa com a portaria, com a limpeza”, diz.

Segundo ela, os moradores da Mauá aguardam desde 2007 por decisões de governo e da Justiça para a ocupação do imóvel. O local foi um hotel, ao lado da Estação da Luz, e segundo o movimento, foi comprado pela Prefeitura em 2017. Neti, como é conhecida a dirigente do movimento, critica o que chama de clima hostil aos movimentos sociais. “Há uma tentativa de criminaliz­ação dos movimentos de moradia”, afirma.

Prestes Maia. A menos de cinco minutos da Mauá, na Avenida Prestes Maia, 911, outro edifício, com 21 andares no bloco B e 9 andares no Bloco A, tem 478 famílias, aproximada­mente 1,5 mil pessoas, dividindo espaço também sob o comando de Neti. O local teve situação judicial encaminhad­a, ainda na administra­ção anterior, por desapropri­ação. Mas os moradores aguardam o desenrolar do processo porque para a posse ocorrer é necessário que o prédio seja desocupado para reforma e, depois, ser reocupado em condições de habitação regular.

Os coordenado­res, porém, alertam que os ocupantes não pretendem sair das unidades nem para a regulariza­ção. “Os advogados estão tentando uma solução”, conta Junior Rocha, da coordenaçã­o do Movimento por Moradia, Luta e Justiça (MMLJ). “Aqui, 80% das famílias que entraram na ocupação permanecem nas unidades”, argumenta o coordenado­r, um dos administra­dores também de outra invasão, ocorrida no centro em 2013, na Rua João Brícola, 45, e que se mantém com 40 famílias.

Sobre a existência de riscos para os moradores por causa das instalaçõe­s elétricas à mostra nos corredores e habitações das ocupações, Rocha diz que “há riscos como em qualquer lugar”. Ele argumenta que “há extintores em dia e vistoriado­s”. E mostra a entrada do edifício da Prestes Maia com uma dezena de extintores aguardando para serem levados aos andares.

Solidaried­ade. Para a paraibana Severina Conceição, de 51 anos, que migrou para São Paulo em busca de vida melhor, o movimento social “caiu do céu”. Ela conta que todo mês paga os R$ 105 de taxas para o condomínio. “Eu fui moradora de rua, na Sé, e hoje, graças ao movimento, tenho um lar”, afirma no primeiro andar do Prestes Maia.

Na ocupação, onde vive com o marido, Severina se emociona ao lembrar a vida dura nas ruas. E agradece a Deus a oportunida­de de viver na ocupação e de poder também ser solidária. Na tarde de ontem, quando lavava a casa com capricho, contou que cria um filho adotivo.

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FOTOS: NILTON FUKUDA / ESTADÃO Migrante. A ex-moradora de rua Severina Conceição, com o filho
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1. Improviso. Sem elevador, moradores sobem as crianças no braço e, ao centro, mangueira para abastecer 21 andares do prédio da Prestes Maia; Abaixo, Emanuela Ferreira, com a filha, Helena, na São João, 588, e a fachada do prédio
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