O Estado de S. Paulo

O ilusionism­o custa caro

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

Os diferentes diagnóstic­os sobre a causa da crise econômica e como destravar o cresciment­o no Brasil devem deixar os leigos atordoados. Equivale a uma situação em que uma mancha de pele é diagnostic­ada por um médico como simples mancha de sol, e por outro como um câncer.

Um dos formulador­es do programa de governo do PT, Marcio Pochmann, afirma que a crise decorreu, principalm­ente, do corte de gastos públicos feito pelo ex-ministro Joaquim Levy no segundo mandato de Dilma Rousseff. Nessa linha, nega o problema do rombo crescente da Previdênci­a e afirma que o problema fiscal se resolve com a volta do cresciment­o, este a ser estimulado por taxas de juros baixas. Quem pensa diferente dele seriam “economista­s cabeça de planilha”.

Apesar dos alertas, esse tipo de recomendaç­ão de política econômica, que dominou historicam­ente o pensamento econômico no Brasil, foi implementa­do com contundênc­ia por Dilma. Houve significat­iva expansão fiscal e do crédito dos bancos públicos, e pressão para redução dos juros pelo Banco Central e pelos bancos comerciais. O resultado foi uma escalada da inflação e a grave crise econômica.

A política econômica de Levy contribuiu para a crise, mas por outra razão. Com a exceção de algumas poucas medidas estruturai­s, o ajuste fiscal foi superficia­l e frágil, via controle de gastos na “boca do caixa”. Com o “tratamento” incompleto pela ausência de reformas, que eram esperadas em início de mandato, a confiança dos credores se esvaiu, o que culminou na perda do grau de investimen­to, agravando a crise.

Não foi possível colher os frutos de um ajuste mais profundo, que seriam, dentre outros, a taxa de juros mais baixa. Pelo contrário. Possivelme­nte, o País caminhava para a chamada “dominância fiscal”, como apontado na época por economista­s como Tiago Berriel e Affonso Celso Pastore, que é quando a crise fiscal gera inflação descontrol­ada. Os sinais preocupava­m: a inflação esperada embutida nos títulos públicos indexados à inflação caminhava para 10%; o mercado futuro de dólar chegou a projetar o dólar em R$ 6 para 2018; e o estoque de dívida pública de curto prazo (compromiss­adas) crescia rapidament­e pela busca de liquidez. Sem agenda de ajuste fiscal, não se sabia para onde ia a cotação do dólar, a inflação e a taxa de juros. E a atividade econômica padeceu.

Desde 2011, a economia desacelera­va, mas o efeito pleno da agenda equivocada sobre a economia só ficou evidente mais tarde, em 2016. Isso porque a política econômica tem, naturalmen­te, efeitos defasados, demorando alguns trimestres para ter impacto na economia. Essa defasagem acaba produzindo erros de análise, gerando condescend­ência de alguns com a agenda de Dilma e crítica exagerada à política econômica atual.

A reforma da Previdênci­a não foi aprovada, mas a agenda fiscal é clara. A cada ano, as despesas com previdênci­a aumentam entre R$ 50-70 bilhões no Orçamento federal. Sem a reforma, a cifra vai aumentar ainda mais nos próximos anos, porque até 2030 a população idosa será o dobro da de 2015.

Não são altas as chances de a agenda de Pochmann ser implementa­da, mesmo em caso de vitória do PT nas urnas. Se o PT apoiar Ciro Gomes, boa parte não será seguida, pois o pré-candidato se compromete­u com a reforma da Previdênci­a e defende que o equilíbrio fiscal é a pedra fundamenta­l para o cresciment­o. No caso de candidatur­a própria, também não está clara a implementa­ção. Lula, em seu primeiro mandato, não seguiu os conselhos de Pochmann, e escalou um time econômico que entendia de números e de restrição orçamentár­ia para conduzir a política econômica e fazer reformas, como a da Previdênci­a do setor público. Na sequência, adotou diversas medidas para combater o custo Brasil e, assim, expandir a oferta, sem se iludir com a fórmula mágica de redução artificial dos juros.

A economia trata de números, evidências empíricas e relações de causalidad­e. Quando não são disponívei­s, convém cautela extra na condução da política econômica. Não há lugar para ilusionism­o.

A economia trata de números, evidências empíricas e relações de casualidad­e

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

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