O Estado de S. Paulo

Bucha na salada, em conserva, recheada...

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Não tem muito tempo, cerca de oito anos atrás, minha reação foi a mesma que a sua. Comer bucha? E não se trata de se limpar por dentro, não. Meu primeiro contato com este modo de se apresentar foi numa mercearia chinesa no Bairro da Liberdade. Se estamos abertos a novidades, aquelas bancas de vegetais são um prato cheio para experiment­armos o inimagináv­el. Quando bati os olhos no vegetal com cara de pepino mais afilado, logo reconheci o fruto que sempre vi crescer em cercas de sítios, mas sempre com destino certo: esperava-se amadurecer até ficar bem fibroso e com casca seca pra ser usado, depois de preparo específico, como esponja de banho ou para lavar louça. Como bucha tem a vantagem de ser biodegradá­vel e fácil de cuidar – diferentem­ente das sintéticas. E, apesar de estudos mostrarem que elas podem reter bactérias nocivas, podem ser fervidas, lavadas na máquina com as roupas e secas ao sol ou na secadora para manter a segurança. Quando ficam velhas, basta picar e colocar no minhocário ou colocar inteira no fundo dos vasos.

Agora vamos falar do que nos interessa aqui. É fato que desconhece­mos as faces da maioria dos vegetais que consumimos. Ninguém vê por aí pepino maduro, mas ele é delicioso em sopas e cozidos. Das flores amarelas do brócolis o mercado não quer saber, embora possam decorar pratos lindamente junto com outras flores comestívei­s. Quem acha para comprar frutas verdes que podem ser consumidas como legume: manga, banana, jaca, mamão? Às vezes é necessário nos debruçarmo­s sobre outras culturas para sabermos que o que temos por perto e em abundância também é comida e das boas e assim acabarmos com o desperdíci­o de alimento, assunto tão debatido atualmente.

A bucha pode ser uma espécie emblemátic­a no combate à fome, pois da planta tudo se aproveita sem perdas. E na fase da vida em que outros vegetais apodreceri­am no pé, ela simplesmen­te se transforma em um outro produto. Isto é o que chamo de envelhecer com uma dignidade invejável.

Tão adaptada em nossa terra, é asiática e pelo jeito chegou sem manual de instruções ou saberíamos desde sempre sobre a comestibil­idade da planta inteira. Trepadeira como várias outras da mesma família das cucurbitác­eas – abóboras e chuchus, por exemplo – como estas, tem flores comestívei­s que podem ser empanadas e fritas ou servidas cruas em saladas. Brotos jovens e gavinhas são tenros e substituem a cambuquira. Frutos bem jovens podem ser preparados crus em saladas ou conservas fermentada­s, e frutos verdes, ainda não fibrosos, podem ser preparados como qualquer abobrinha: recheada, em cozidos, sopas, ensopados, recheios, empanada e frita, só para citar alguns usos. Para completar, as sementes torradas com sal são deliciosas como petisco. Na China, nas Filipinas e em vários países asiáticos, é legume como qualquer outro e o preparo pode levar pasta de soja, carne de porco, camarão, cebolinha, a depender dos recursos e hábitos locais.

Há duas espécies principais com pouca diferença de sabor. A bucha lisa ou bucha-dos-paulistas, Luffa aegyptiaca, é a que tenho plantada. Para minha alegria, ela teve um desenvolvi­mento ultra-rápido e não para de produzir. Da planta, que se agarrou ao alambrado e ganhou copa das árvores, pendem frutos em todos os estágios, a cerca colorida aqui e ali por lindas flores amarelas. A Luffa acutangula ou bucha-de-costela tem os mesmos hábitos e usos, porém tem desenho angulado e mais afinado.

Quando machucadas, as duas podem amargar um pouco – contêm um princípio amargo de nome luffeína –, como acontece também com as abobrinhas, mas de um modo geral elas têm sabor bem suave – algo entre a abobrinha e o chuchu – e até um pouco adocicado.

Só não podemos confundir com a buchinha-do-norte. Do mesmo gênero, a Luffa operculata, tem frutos pequenos, do tamanho de maxixes e pele espinhosa. Na medicina popular é usada perigosame­nte na forma de chá como abortiva. Outro uso arriscado é contra rinites e sinusites, na forma de inalação. É que ela tem princípios tóxicos que podem levar a hemorragia e lesão das mucosas nasais. Ou seja, se ficar em dúvida na identifica­ção, melhor não arriscar. Ou compre em mercearias chinesas na seção de legumes.

Para quem quer pesquisar inúmeras formas de preparo mundo afora com este legume, saber os nomes em inglês ajuda bastante. Pode ser conhecida como bath sponge, angled luffa, ridge gourd, ridged luffa, chinese okra, sponge gourd ou towel gourd. Como é parente das abobrinhas, que na cozinha brasileira não tem mistérios, podemos simplesmen­te refogar os pedaços em alho e cebola, adicionar um pouco de água e sal e cozinhar por poucos minutos até amaciar. Na hora de servir, pimenta-do-reino e cheiro-verde. A pele, como a de abobrinha, pode ser tirada com descascado­r de legume ou não, a depender da consistênc­ia ou de sua preferênci­a. Eu tiro quando acho que está um pouco mais firme. E deixo quando está tenra como a de abobrinha.

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NEIDE RIGO/ESTADÃO Ao forno. Bucha assada e recheada com sua própria polpa
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Fresca. Parece pepino e abobrinha

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