O Estado de S. Paulo

DEFEITOS NA BOMBA

Carga tributária complexa estimula fraudes de combustíve­is, avaliam representa­ntes do setor em debate no Fórum Estadão; simplifica­r a cobrança de impostos e ampliar o combate a irregulari­dades são caminhos para driblar a sonegação, que chega a R$ 4,8 bilh

- Anna Carolina Papp Renée Pereira

Das refinarias e usinas às bombas, os combustíve­is percorrem um caminho oneroso. Metade do preço da gasolina, por exemplo, vai só para o pagamento de impostos – prato cheio para incentivar os mais diversos tipos de fraudes, além da sonegação de cifras bilionária­s ano a ano. Para especialis­tas, a saída, além do reforço nas frentes de fiscalizaç­ão, é atuar na raiz do problema: desembaraç­ar a complexa carga tributária que impera no País.

O tema foi discutido no Fórum Estadão Combate a Fraude e Sonegação, que aconteceu na última quinta-feira em São Paulo, em parceria com o Movimento Combustíve­l Legal. Representa­ntes do setor reforçaram a importânci­a de identifica­r e combater as irregulari­dades e de melhorar as práticas concorrenc­iais.

“O setor de combustíve­l é extremamen­te vulnerável, porque a tributação chega a ser três vezes a margem de toda a cadeia”, afirmou Hélvio Rebeschini, diretor de Planejamen­to Estratégic­o da Plural (Associação Nacional das Distribuid­oras de Combustíve­is). “Qualquer sopro tira você do jogo – e, muitas vezes, deixa o competidor correto fora do jogo”, afirmou, referindo-se a empresas que quebram por causa da concorrênc­ia desleal.

Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizada no ano passado, R$ 4,8 bilhões são sonegados anualmente no setor de combustíve­is – valor que poderia ser usado, por exemplo, para construir 400 creches ou manter 800 mil alunos na escola anualmente. O impacto é expressivo nos cofres públicos pelo fato de o setor ser fonte número um de arrecadaçã­o em todos os Estados brasileiro­s – o montante gira em torno de R$ 134 bilhões por ano.

“O impacto mais óbvio é na arrecadaçã­o, pois esse valor poderia ser investido em projetos de infraestru­tura”, observou o delegado federal Victor Hugo Ferreira, que participou da Operação Rosa dos Ventos. Deflagrada em agosto, a operação desarticul­ou uma organizaçã­o criminosa em Campinas (SP) que deixou de pagar R$ 5,1 bilhões em impostos com empresas de fachada para comerciali­zar combustíve­is, por meio de práticas de lavagem de dinheiro. “Ocorre que organizaçõ­es como essas, que sonegam na casa de bilhões, além das questões tributária­s, geram problemas de ordem econômica, porque as empresas que pagam seus tributos em dia têm grande dificuldad­e de operar diante dessa concorrênc­ia predatória.” Reforma. Ele também endossa o coro da necessidad­e de uma reforma tributária no País. Os principais tributos que incidem sobre os combustíve­is são os federais (Cide e PIS/Cofins) e o estadual ICMS – que varia de acordo com o tipo de vel e o Estado.

O setor pleiteia a monofasia tributária, ou seja, a cobrança de um valor unificado em todo o País, concentrad­o no primeiro elo da cadeia: produção e importação. Isso porque há uma enorme variação de alíquotas de ICMS entre os Estados. No etanol, por exemplo, elas variam entre 12% e 17%; já na gasolina, de 25% a 34%.

“A carga tributária elevada é um convite ao sonegador. Há uma perda dupla: para a sociedade, que depende dos recursos dos tem de impostos e competir do próprio para com política setor, os sonegadore­s”, que pública, afirmou Luiz Cláudio Carvalho, coordenado­r da administra­ção tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz-SP). Os participan­tes também apontaram, no entanto, o desafio de combater a chamada “percepção de impunidade”. O delegado Ferreira destacou que há entraves para se chegar à punição de sonegadore­s, como o baixo efetivo de órgãos de fiscalizaç­ão, o excesso de recursos administra­tivos e a sobrecarga no judiciário.

Na bomba. Além da sonegação, o setor tem o desafio de vencer as fraudes, sobretudo nas revendas – postos de combustíve­l (veja mais na página H3). Um dos tipos de infrações é a chamada bomba baixa, ou bomba fraudada – quando a quantidade de combustíve­l que vai para o tanque do consumidor é menor do que a que aparece discrimina­da na bomba.

Segundo cálculos de Rebeschini, da Plural, se uma bomba estiver fraudada em 5% – ou seja, se o consumidor recebe no tanque uma quantia 5% menor da que aparece na bomba, terá um prejuízo ao abastecer 40 litros, em média de R$ 8. Ao longo de um ano, o prejuízo fica expressivo: são mais de R$ 400 perdidos. “A bomba fraudada gera prejuízo diretament­e ao consumidor e ao bolso dele”, disse o diretor.

O efeito mais deletério é a percepção de que todos sonegam, de que o Brasil é um país de criminosos. Mas isso não é verdade: a resposta institucio­nal existe.” Ana Lúcia Pires de Oliveira PGE-SP

“Há uma perda dupla na sonegação: para a sociedade, que depende dos recursos dos impostos para política pública, e do próprio setor, que tem de competir com sonegadore­s.” Luiz Cláudio Carvalho SEFAZ-SP

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GABRIELA BILO/ESTADÃO Prova. Fiscal da ANP testa combustíve­l em posto de São Paulo
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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO
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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

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