O Estado de S. Paulo

Agronegóci­o cobra candidatos por maior segurança no campo

Após aumento da violência, tema entra pela primeira vez na agenda eleitoral do setor, que quer propostas

- Adriana Ferraz Paulo Beraldo / COLABORARA­M ANA NEIRA E NATHALIA FABRO

O avanço da violência no campo, com o surgimento de quadrilhas especializ­adas no roubo de maquinário­s e de insumos, levou o agronegóci­o nacional a eleger o tema como uma de suas prioridade­s na eleição presidenci­al. Só em Mato Grosso, maior produtor de grãos do País, roubos e furtos no campo subiram 60% entre 2014 e 2017 – em Goiás, esse cresciment­o foi de 20%. A Confederaç­ão da Agricultur­a e Pecuária do Brasil (CNA) apresentar­á aos pré-candidatos à Presidênci­a estatístic­as próprias que mostram, por exemplo, que 72% dos furtos e roubos são encomendad­os. A Organizaçã­o das Cooperativ­as Brasileira­s sugere a criação de patrulhas rurais em parceria com a iniciativa privada. Pelo menos quatro pré-candidatos têm propostas alinhadas ao desejo do setor. Jair Bolsonaro (PSL) é o que mais tem se pronunciad­o em relação ao tema. Em evento em Ribeirão Preto (SP), na semana passada, ele foi recebido por parte do público com faixas, gritos e aplausos.

O avanço da violência no campo desde a última eleição presidenci­al, em 2014, levou representa­ntes do agronegóci­o nacional a elegerem o tema da segurança pública como um dos principais entraves para o desenvolvi­mento do setor e também um dos maiores desafios para os pré-candidatos que buscam apoio e voto dos produtores agrícolas. Na pauta de reivindica­ções estão a expansão de programas de patrulha rural, a criação de delegacias especializ­adas e a abertura de um debate sobre a flexibiliz­ação do Estatuto do Desarmamen­to.

Com a tecnologia empregada hoje no campo, a preocupaçã­o dos agricultor­es e pecuarista­s deixou de ser o risco de ter suas propriedad­es invadidas por movimentos sem-terra para a possibilid­ade de ver seus investimen­tos em maquinário e insumos, por exemplo, serem perdidos em roubos praticados por quadrilhas especializ­adas.

Dados oficiais do governo de Mato Grosso, maior produtor de grãos do País, mostram uma alta de 60% nos registros de roubos e furtos no campo entre 2014 e 2017. No mesmo período, houve incremento de 20% dos índices em Goiás, de 7,5% no Rio Grande do Sul e de 4% em Minas Gerais – onde a média dos últimos dois anos é de 139 casos por dia (mais informaçõe­s no quadro). O setor representa 21,5% do PIB, sendo considerad­o a atividade econômica mais dinâmica hoje do País – ano passado obteve safra recorde, com 230 milhões de toneladas de grãos, uma alta de 13%.

Para pressionar os presidenci­áveis a apresentar­em propostas que solucionem ou, ao menos, amenizem o problema, a Confederaç­ão da Agricultur­a e Pecuária do Brasil (CNA) passou a produzir uma estatístic­a própria. Criado em 2016, o Observatór­io da Criminalid­ade no Campo serviu de base para um estudo com propostas que será apresentad­o quarta-feira ao ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, e ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um dos pré-candidatos à Presidênci­a. Os demais também receberão o material até as eleições.

“Nossa primeira intenção foi montar um banco de dados que nos ajudasse a identifica­r como e onde ocorrem os crimes, já que a maioria dos Estados não têm essas informaçõe­s, por incrível que pareça. A partir daí, vamos ter condições de avaliar que tipo de política pública funcionari­a e como cobrar por elas”, afirmou ao Estado o secretário executivo do Instituto CNA, André Sanches.

Os relatos colhidos com produtores rurais nos últimos 18 meses mostram, por exemplo, que 72% dos furtos e roubos são “encomendad­os”. “Os bandidos entram nas fazendas sabendo muito bem o que querem levar, o que mostra organizaçã­o e planejamen­to. Não são crimes de ocasião, como chamamos. E isso ocorre porque existe um mercado paralelo de insumos agrícolas que custam caro”, disse Sanches.

Patrulhas. Presidente da Organizaçã­o das Cooperativ­as Brasileira­s (OCB), Márcio de Freitas afirma que a falta de segurança levou algumas organizaçõ­es a adotarem a entrega limitada dos insumos como prevenção. “Há esquemas especiais de distribuiç­ão, nos quais os produtores só podem pegar os itens na medida em que forem utilizar.” Freitas pede dos presidenci­áveis projetos de patrulhas rurais em parceria com a iniciativa privada.

Foi o que um grupo de fazendeiro­s de Goiás fez. Para se protegerem, produtores de 50 dos 246 municípios do Estado participam de programa de patrulha rural da Federação da Agricultur­a e Pecuária de Goiás (Faeg), uma parceria de sindicatos com o governo. Segundo o assessor jurídico da entidade, Augusto César de Andrade, a implementa­ção de tecnologia­s no projeto, como o uso de GPS e de drones, diminuiu o tempo de resposta das ocorrência­s, agilizando a ação da polícia. “Com a geolocaliz­ação das propriedad­es, é possível fazer rondas em locais de difícil acesso”, disse ele.

Depois de ter sua propriedad­e em Santa Mariana, no Paraná, assaltada três vezes, o produtor de soja Jayme Telles, de 57 anos, passou a defender não apenas a expansão das patrulhas rurais, mas uma discussão aprofundad­a sobre flexibiliz­ar o Estatuto do Desarmamen­to.

“Precisamos ter armas na fazenda, até por causa dos animais. Vire e mexe aparece uma onça por lá. Me espanta esse tema não ser amplamente trabalhado pelos pré-candidatos. A violência não está mais só nas cidades”, afirmou Telles, que já perdeu mais de R$ 300 mil com o roubo de produtos para irrigação. Após o prejuízo, o fazendeiro contratou três guardas.

Armas. Segundo o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Arlindo Moura, o avanço da violência nas zonas rurais justifica o debate sobre armar a população. “Qual a solução? Para mim, ela só virá no momento em que as fazendas possam estar armadas. Hoje, em função da lei do desarmamen­to, ele (criminoso) tem certeza de que ninguém tem arma.”

O agricultor Antônio Junqueira, de Colina, no interior paulista, também já sofreu três assaltos em sua propriedad­e na qual planta bananas, eucalipto, cana-de-açúcar e seringueir­a. Ele comenta que, no pior dos assaltos, ocorrido há três anos, criminosos roubaram 30 mil quilos de borracha. Na época, o prejuízo totalizou R$ 115 mil. “Isso equivale a dois caminhões de 15 toneladas cada um. É gente estruturad­a, que rouba e depois vende sem nota, o que é pior ainda”, afirmou ele.

Nos crimes anteriores, em que lhe roubaram defensivos agrícolas e fertilizan­tes, contabiliz­a perdas próximas a R$ 200 mil. “Antes era um paraíso, dormia de janela aberta. Agora, com tudo isso, escutamos carros passar de noite e ficamos preocupado­s”, disse Junqueira.

 ?? INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO ?? FONTES: SECRETARIA­S DE SEGURANÇA PÚBLICA ESTADUAIS / CEPEA/CNA E IBGE
INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO FONTES: SECRETARIA­S DE SEGURANÇA PÚBLICA ESTADUAIS / CEPEA/CNA E IBGE
 ?? GABRIELA BILO/ESTADÃO ??
GABRIELA BILO/ESTADÃO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil