O Estado de S. Paulo

Ciro tenta se aproximar da elite empresaria­l

Pré-candidato do PDT à Presidênci­a tem se esforçado para se livrar da imagem de ‘explosivo’ e ser bem recebido em círculos liberais

- Pedro Venceslau

Pré-candidato ao Planalto pelo PDT, Ciro Gomes tenta se aproximar da elite empresaria­l com a defesa de reformas, como a da Previdênci­a. “Ciro está mais aberto e menos voluntario­so”, diz o presidente da Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, que se reuniu recentemen­te com ele. Em abril, Ciro foi o único representa­nte dos partidos de esquerda no evento Fórum da Liberdade, de defesa de valores liberais, em Porto Alegre.

Há quase 16 anos, o então candidato à Presidênci­a da República pelo PPS, Ciro Gomes, teve que divulgar uma nota oficial para explicar uma frase dita em um jantar com 30 empresário­s na casa do amigo Ricardo Steinbruch, do Grupo Vicunha: “O mercado que se lixe”. Naquele mesmo ano, em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva pavimentou o caminho para o Palácio do Planalto e acalmou o mesmo mercado com a Carta ao Povo Brasileiro, na qual se comprometi­a a “cumprir contratos” e manter a diretriz econômica em vigor. Lula venceu a eleição com o apoio de Ciro no 2° turno.

Em 2018, o petista – condenado e preso desde abril na Operação Lava Jato – e o ex-governador do Ceará, agora no PDT, novamente se apresentam para a corrida presidenci­al. Mas Ciro é o único que tem se dedicado a construir pontes com as elites financeira e empresaria­l do País. O ex-governador, que foi ministro da Fazenda de Itamar Franco, tem feito um esforço explícito para afastar a imagem de imprevisív­el e explosivo e ser bem recebido em círculos identifica­dos com o pensamento econômico liberal.

“O Ciro está mais aberto a escutar e menos voluntario­so”, disse ao Estado o presidente da Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade. O empresário mineiro teve recentemen­te uma longa conversa com o pré-candidato do PDT. Os dois concordara­m na necessidad­e da promover uma reforma da Previdênci­a e o ajuste fiscal – mas não tocaram em um ponto nevrálgico: a reforma trabalhist­a.

Andrade conta que “ouviu pela imprensa” que o pré-candidato do PDT defende sua revogação. “Não sei é influência do PDT ou do Carlos Lupi, mas isso é totalmente fora de propósito”, disse o presidente da CNI.

Ciro foi em abril o único representa­nte da “esquerda” em um evento que reúne anualmente a direita intelectua­l e empresaria­l mais engajada: o Fórum da Liberdade, organizado pelo Instituto de Estudos Empresaria­is (IEE) – fundado há 30 anos em Porto Alegre e que tem como objetivo formar líderes empresaria­is e difundir conceitos de economia de mercado e livre iniciativa.

Entrevista­do no evento, que teve o juiz Sérgio Moro como maior estrela, Ciro afirmou que não considera Lula um preso político. Ganhou pontos.

Ex-ministro da Integração Nacional do petista, Ciro foi também na semana passada o único presidenci­ável do seu campo político a visitar a Agrishow, a principal feira agropecuár­ia do País, em Ribeirão Preto. Visitou estandes de empresas, fez discursos e lembrou que a senadora Kátia Abreu, expresiden­te da Confederaç­ão Nacional da Agricultur­a (CNA) e recém filiada ao PDT, estará na linha de frente das propostas de sua campanha para o setor.

Ciro também foi recebido no Instituto de Estudos para o Desenvolvi­mento Industrial (Iedi) – que reúne atualmente 50 empresário­s representa­ntes de grandes empresas nacionais – e por federações empresaria­is nos Estados por onde passou. Deu também palestra remunerada para uma agência de investimen­to e participou de diversos encontros privados com empresário­s de vários setores.

“Ciro está aberto a ouvir opiniões de todos os segmentos. Ele quer ouvir o setor bancário para discutir a redução do spread. A taxa de juros não pode ser fixada por decreto. É consequênc­ia”, disse o economista Mauro Benevides Filho.

Formado economia na UnB e com doutorado na universida­de Vanderbilt, nos Estados Unidos, Benevides, que foi secretário da Fazenda do Ceará por 12 anos, e é o responsáve­l pelas diretrizes econômicas de Ciro.

O filósofo Roberto Mangabeira Unger continua no time, mas foi Benevides Filho quem assumiu a interlocuç­ão com o mercado e tem rodado o Brasil para cumprir a missão. O economista se apresenta sempre com o mantra: o ajuste fiscal não pode ter ideologia e Ciro não representa risco de ruptura.

Quando o assunto é a reforma trabalhist­a, porém, os apoiadores de Ciro admitem que o précandida­to do PDT tem na proposta de revogar a reforma trabalhist­a – caso eleito – um calcanhar de Aquiles na tentativa de ser palatável aos setores financeiro­s e empresaria­is. Para Benevides Filho, “Ciro compreende que existem novas formas de trabalho – em casa, à distância – e tudo isso precisa ser regulament­ado em uma nova reforma”.

Outro economista que aderiu ao projeto do pedetista, o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira, reconhece que a proposta de revogar a reforma trabalhist­a é um obstáculo nas conversas com o PIB. “Essa proposta da lei trabalhist­a é realmente contraditó­ria.”.

Ciro e Bresser se aproximara­m em 2016 após uma palestra do ex-ministro na Fundação Getúlio Vargas. Em seguida foram jantar e discutiram longamente a tese de Bresser sobre o “novo desenvolvi­mentismo”. Algum tempo depois, o economista promoveu outro jantar, mas dessa vez também chamou o petista Fernando Haddad.

O trio se reuniu novamente na semana passada no escritório de Delfim Neto. “Ciro às vezes diz o que não devia. É politicame­nte incorreto, mas no plano das decisões nunca foi ‘porra louca’. É um candidato de

centro-esquerda, não de esquerda. Sabe que estamos em um regime capitalist­a e que precisa governar com empresário­s”, disse Bresser.

Paulistano. Em fevereiro de 2015 o mundo político acreditou que Ciro Gomes, então no PROS, estaria fora das eleições de 2018 quando ele aceitou um convite do amigo Benjamin Steinbruch para trabalhar na Companhia Siderúrgic­a Nacional (CSN) em São Paulo.

O ex-ministro trocou as articulaçõ­es político-partidária­s por um polpudo salário na iniciativa privada. E mudou-se para a capital paulista, longe de sua base eleitoral, o Ceará.

Em maio de 2016, porém, deixou a empresa para, segundo ele, evitar que “perseguiçõ­es” políticas do presidente Michel Temer prejudicas­sem seu trabalho à frente da Transnorde­stina, subsidiári­a da CSN que era presidida por ele. Mergulhou novamente na política a passou a dividir-se entre sua casa em Fortaleza e o apartament­o do filho na capital paulista.

Ciro já escolheu um local na Avenida Rebouças para abrigar o comitê central de sua campanha. Ele disse em entrevista ao Estado que procura um “nome da produção” do Sudeste para ser seu vice e revelou que já conversou longamente com o mineiro Josué Gomes, da Coteminas.

O ex-chefe Benjamin Steinbruch continua sendo um amigo frequente e interlocut­or com o empresaria­do. Em maio, o empresário, que é vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), vai assumir a presidênci­a da entidade quando Paulo Skaf deixar o cargo para disputar o governo paulista.

Ao resumir o desafio de Ciro e seu périplo pelo mundo empresaria­l, Bresser pega emprestada uma citação de Michel Rocard, ex-primeiro ministro socialista da França. “Para um partido de centro-esquerda, social democrata, governar o capitalism­o, eu cito uma frase: o desafio dos socialista­s é governar o capitalism­o com mais competênci­a que os capitalist­as”. Ciro está empenhado.

 ?? HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO-14/3/2018 ?? Discurso. Ciro em palestra na Câmara Americana de Comércio, em São Paulo
HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO-14/3/2018 Discurso. Ciro em palestra na Câmara Americana de Comércio, em São Paulo

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