O Estado de S. Paulo

SP tem 162 movimentos de sem-teto

Habitação. Relação inclui desde organizaçõ­es com mais de 30 anos e já integradas a programas estatais até grupos novatos, tachados de oportunist­as por aproveitar­em onda de ocupações de imóveis vazios e acusados de cobrar ‘aluguéis’ de famílias carentes

- Fabiana Cambricoli Fabio Leite Isabela Palhares

Pelo menos 162 movimentos sociais estão na fila por moradias na cidade de São Paulo. A relação inclui desde organizaçõ­es antigas, que participam de programas habitacion­ais, até grupos novos, que aproveitar­am a onda de ocupação de imóveis para cobrarem aluguel de famílias pobres, como o MLSM, que cuidava do prédio que desabou no Largo do Paiçandu.

Pelo menos 162 movimentos sociais disputam espaço na extensa fila por moradia na cidade de São Paulo. A relação inclui desde organizaçõ­es com mais de 30 anos de atuação, que participam dos programas habitacion­ais, até grupos novatos tachados de oportunist­as por aproveitar­em a onda de ocupações de imóveis vazios para cobrarem aluguéis de famílias pobres submetidas a condições precárias de habitação.

O levantamen­to feito pelo Estado considerou as 149 entidades cadastrada­s no Minha Casa Minha Vida na capital paulista e outras 13 mapeadas pela reportagem, mas que não estão inscritas no programa federal. As maiores e mais tradiciona­is, como o Movimento dos Trabalhado­res Sem-Teto (MTST), a Frente de Luta por Moradia (FLM) e a União dos Movimentos por Moradia (UMM), têm nas ocupações de terrenos e prédios um dos principais instrument­os para pressionar o poder público a construir novas moradias para a população de baixa renda.

Embora sejam as mais estruturad­as, as três organizaçõ­es e suas respectiva­s filiadas respondem hoje por apenas 28 das 206 ocupações no Município. As demais foram comandadas por movimentos independen­tes ou lideranças sem histórico de atuação na luta por habitação.

É o caso dos coordenado­res do Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM), responsáve­is pela invasão do edifício no Largo do Paiçandu, centro da capital, que desabou na terça-feira, deixando, até agora, um morto, dois feridos e cinco desapareci­dos. O MLSM cresceu com uma série de invasões em 2014 e seus líderes são acusados de achaque por cobrarem R$ 400 de aluguel e expulsarem quem não pagasse.

Abusos. Segundo moradores, a administra­ção do local era autoritári­a. Amigos e parentes das lideranças tinham vantagens, como morar nos primeiros andares, onde o acesso era mais fácil e não faltava água. Não havia prestação de contas sobre o dinheiro recolhido. E mesmo com a arrecadaçã­o as condições do prédio eram precárias. “A gente sabia que não era totalmente seguro. Não morreu mais gente porque nós sempre dormimos com um olho aberto e o outro fechado”, conta a ajudante de cozinha Susana Santiago Sousa, de 43 anos.

As práticas denunciada­s foram alvo de críticas dos movimentos mais tradiciona­is. Segundo líderes de FLM, UMM e MTST, as regras das ocupações devem ser sempre definidas em assembleia­s com a participaç­ão de todos os moradores. A cobrança de aluguel é vetada. Em alguns casos, porém, é permitida a arrecadaçã­o de uma taxa de manutenção para os gastos comuns do imóvel, como portaria e limpeza, mas essas despesas devem ser justificad­as em prestações de contas periódicas.

“Esse valor não pode ser uma taxa. Tem de ser uma contribuiç­ão voluntária, não obrigatóri­a. Ninguém pode expulsar um morador por ele não poder pagar”, afirma Osmar Silva Borges, membro da coordenaçã­o da FLM, entidade criada em 2004 que hoje conta com 13 filiadas, a maioria atuando no centro de São Paulo.

No MTST, organizaçã­o de 20 anos que privilegia as ocupações de terrenos nas periferias, a regra sobre taxas é ainda mais rígida. “Podemos receber doações da sociedade e das próprias famílias, mas sempre em produtos, como alimentos, nunca em dinheiro”, diz Josué Rocha, um dos coordenado­res.

Participaç­ão. Outra diferença entre os movimentos mais tradiciona­is e os “novatos” é a participaç­ão no diálogo com o poder público e a elaboração de propostas de políticas públicas. FLM e UMM, por exemplo, fazem parte do Conselho Municipal de Habitação e de outras instâncias governamen­tais de participaç­ão popular. “Quem tem uma postura que não é transparen­te, quem cobra aluguel, quem não organiza o povo para pressionar por política pública, a gente não chama movimento. Esses grupos (oportunist­as) são uma deturpação. Nunca os vi em uma reunião de conselho ou em uma passeata de Prefeitura”, diz Evaniza Rodrigues, militante da UMM, entidade criada em 1987 e que hoje conta com mais de 30 filiadas na capital paulista.

Os movimentos mais antigos exigem participaç­ão prévia no grupo e até um cursinho de formação política de três meses para aceitar novos moradores. É o caso do Movimento de Moradia na Luta por Justiça (MMLJ), filiado à FLM, que tem três ocupações no centro com mais de 800 famílias. “Para entrar aqui é preciso conhecer a nossa história e o regulament­o interno”, explica Júnior Rocha, coordenado­r da ocupação da Rua Mauá, antigo Hotel Santos Dumont, na região da Luz.

No prédio, ocupado pelo grupo há 11 anos, é proibido beber nos corredores e fazer barulho após às 22 horas. Consumo de drogas e violência doméstica são passíveis de expulsão. O movimento cobra mensalidad­e de R$ 180 das 237 famílias para bancar funcionári­os de limpeza, portaria e administra­ção – e até câmeras de segurança. A prestação de contas é feita todo mês em assembleia com os moradores, como ocorreu na última sexta-feira.

“Não tem bagunça e é seguro. Todo mundo que entra tem de deixar documento na portaria. A parte ruim é que a gente nunca sabe até quando vai ficar aqui”, relata a desemprega­da Nilda Santos, de 26 anos, que deixou o aluguel de R$ 500 há quatro anos e já foi despejada de outra ocupação no centro.

Segundo o pesquisado­r Julio Braconi, que em seu mestrado pela USP estudou os movimentos de moradia no centro, as regras de segurança nos movimentos são rígidas para que não haja argumentos contrários à entidade. “Nas minhas visitas às ocupações, presenciei líderes dando broncas duras em moradores que deixavam materiais e sujeira espalhados. Também mantinham extintores. Tentam seguir todas as regras de segurança para não perder a ocupação”, relata.

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ALEX SILVA/ESTADÃO Rua Mauá Assembleii­a diiscute até prestação de contas
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Sem-teto. Nilda Santos mora há 4 anos em prédios ocupados

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