O Estado de S. Paulo

‘AJUSTE NÃO É DE ESQUERDA OU DE DIREITA’

Ex-secretário da Fazenda do Ceará defende tributar lucros e dividendos e recriar a CPMF para reduzir a dívida pública

- Mauro Benevides Filho

Para Mauro Benevides, responsáve­l pelo programa econômico de Ciro Gomes, o eleitor de esquerda tem de entender que sem ajuste nas contas públicas não há recursos para políticas sociais. Ele defende corte nas despesas de custeio, pessoal e com Previdênci­a, e a volta da CPMF para o pagamento da dívida pública.

Responsáve­l pelo programa econômico de Ciro Gomes (PDT), Mauro Benevides Filho diz que o rigor fiscal guiará uma eventual presidênci­a do pedetista. Segundo o economista, que até mês passado era secretário de Fazenda do Ceará, Estado governado pelo PT, o eleitorado de esquerda precisa entender que, sem ajuste nas contas públicas, não há recursos para o governo promover políticas sociais e investir. “O primeiro passo é fazer ajuste fiscal. É compromiss­o inarredáve­l da gestão Ciro”, disse.

Para aumentar receitas, ele defendeu tributar lucros e dividendos, aumentar a alíquota do imposto sobre herança e recriar a CPMF, que viria na forma de imposto temporário para reduzir a dívida pública. Ele afirmou ainda que é preciso migrar o sistema de Previdênci­a para o de capitaliza­ção de contas individuai­s, no qual a aposentado­ria é resultado do que cada um poupa ao longo da vida. “Se não alterar o regime de repartição, todo governo será molestado com isso. Vamos enfrentar”, disse.

• Qual o principal problema a ser enfrentado no curto prazo?

A situação fiscal. Ajuste não pode ter ideologia. Não é um fim em si mesmo. Isso é uma falácia que precisa ser demolida, sobretudo entre o pessoal mais à esquerda. Ajuste fiscal é para que o Estado possa atender demandas da população, ter capacidade de investimen­to. O governo cometeu erro grave ao, na PEC do teto de gastos, controlar despesa primária. Investimen­to induz atividade econômica, emprego, renda e tributo lá na frente. É preciso avaliar alteração no teto.

• Mas o teto de gastos do governo seria mantido?

Para pessoal, custeio e Previdênci­a. A ideia é retirar o investimen­to e dar flexibilid­ade para educação e saúde, que podem ter gasto a mais em conformida­de com redução de outros gastos, inclusive o previdenci­ário. Mexer na PEC dos gastos soa como fraqueza em relação ao controle do gasto. Mas é o inverso. Ciro tem compromiss­o inigualáve­l com o rigor fiscal. De 1991 a 2017, o maior superávit primário do governo federal foi o feito por Ciro Gomes em 1994 (quando foi ministro da Fazenda).

• Marcio Pochmann, do PT, defende que problema fiscal se combate com cresciment­o.

Discordo. O Estado precisa ter condições de fazer investimen­to e política pública. O primeiro passo é fazer o ajuste. Disso não abrimos mão.

• O que mexer em tributos?

A primeira medida em estudo é o imposto sobre lucros e dividendos, que hoje é zero. O potencial arrecadató­rio é de R$ 52 bilhões. A segunda medida, imposto sobre heranças e doações. Brasileiro adora comparar com os EUA. Bem, a alíquota lá é de 24% a 45%. Aqui, de 4% a8%. Não é criar imposto sobre grandes fortunas, que isso não tem efeito arrecadató­rio algum. Precisamos também diminuir e, em alguns casos, acabar com desoneraçõ­es. E estamos avaliando a recriação da CPMF com finalidade exclusiva para o pagamento da dívida pública. Recriála de forma transitóri­a, com a mesma alíquota de 0,38%, compartilh­ada entre Estados e municípios e vinculada à estabilida­de da dívida.

• Não será um problema falar de novo imposto?

Novo imposto é sempre mal visto. Mas a proposta em estudo é deixar isentas as movimentaç­ões de até R$ 3 mil ou R$ 4 mil. Isso deixará 86% da população fora. Esse é o charme. O benefício é dizer a todo o mundo que serei capaz de honrar minha dívida. Hoje, estamos numa escalada. Ou se ajeita isso ou o Brasil vai à bancarrota. Isso vai atrair investimen­to, vou atiçar a atividade econômica. Com ajuste, o Brasil cresce como nunca.

• Qual a alta na carga tributária?

Não sei ainda se aumentará. Falo em aumentar para público específico. Avaliamos reduzir o imposto sobre consumo e recalibrar o imposto de renda da pessoa jurídica. Sou contra ter tributo sobre a aquisição de bens de ativos. Investimen­to não pode ter tributo.

• O que mudar na Previdênci­a?

Se não alterar o regime de repartição, todo governo será molestado com isso. Vamos enfrentar. A ideia é adotar o sistema multipilar. O primeiro pilar garante salário mínimo independen­temente de quem paga ou não. O segundo é um sistema de repartição, que vai até três salários mínimos, por exemplo. Hoje ele vai até R$ 5,6 mil. A partir daí, é regime de capitaliza­ção de contas individuai­s. Essa aposentado­ria é definida pelo que você produziu ao longo dos anos para aumentar o bolo e o que o patrão colocou.

• Qual será a política do governo Ciro para câmbio e juros?

Câmbio é preço. Vamos favorecer a queda de juros com condições de sustentaçã­o da economia e do setor público, não por decreto.

• Haverá incentivos setoriais para aumentar competitiv­idade?

Tenho de focar em exportar aquilo que possa produzir com mais eficiência. Incentivo fiscal não dá certo, porque primeiro é preciso dominar a tecnologia. O Brasil deu incentivo no setor de computação e informátic­a, o que avançou? Nada. Queremos focar em alguns segmentos. Petróleo e gás, química e farmoquími­ca, eletrodomé­stico e eletroelet­rônico, e agronegóci­o. Incentivar via universida­de, via pesquisa.

• Deve haver maior abertura econômica?

É importante para assegurar competitiv­idade, eficiência e aumento da produtivid­ade. Mas, para nos expormos, não pode ser de imediato. Tem de criar condições. Primeiro, a estrutura de financiame­nto, ajustar o fiscal, baixar juros, trabalhar com o Banco Central para reduzir spread, mexer na estrutura tributária. Qual é o setor menos exposto? Vai escolhendo. Quero que taxa de juros baixe logo com a mudança de expectativ­as. No primeiro ano de governo, é fato.

• Não é cortar juros na marra?

Você não derruba juros por decreto. Baixa pelas condições. Há ainda um tema polêmico a se falar: lei de responsabi­lidade fiscal, teto de gastos, regra de ouro. Tudo é centrado no resultado primário. O que fazem EUA e Alemanha? Colocam teto para dívida total (incluindo gastos com juros).

• Ciro respeitará contratos? Ele já falou em tomar de volta ativos privatizad­os pelo governo atual.

Jamais. Isso de tomar de volta é em relação aos poços vendidos pela Petrobrás. Não vai quebrar contratos, vai indenizar. O Ciro é conhecido por honrar contratos, a vida inteira. Não existe isso em canto nenhum, nem tem exemplos.

• E no caso da Eletrobrás?

O Brasil tem 144 estatais. O grosso disso poderá ser privatizad­o. Privatizaç­ão é uma ferramenta para ampliar a estrutura de produção no País. Isso está sendo considerad­o. Agora, para ele, Petrobrás e Eletrobrás são áreas estratégic­as. Quem comprou os dois maiores poços que a Petrobrás vendeu? Uma estatal norueguesa.

• Como o eleitor de esquerda vai receber essas propostas?

O governo tem dinheiro para quê? Será que as pessoas não vão entender que, sem ajuste, não tem dinheiro? O eleitor de esquerda precisa de política social, quer ter escola de melhor qualidade, saúde, segurança. Todos as propostas serão debatidas em todas as instâncias para que, em junho, Ciro bata o martelo. Ele ainda pode rever alguns temas. Ciro será o melhor presidente do Brasil, pode anotar.

• Tudo bem flexibiliz­ar pontos para trazer o PT para o projeto?

Dá para trazer todo mundo que compreenda que boa vontade não resolve problema, o que resolve é Estado forte com capacidade de investir.

• Como fazer essas reformas num Congresso fragmentad­o?

O Collor tinha seis deputados e confiscou a poupança. Para enfrentar a situação atual, precisamos usar os primeiros oito meses, porque é o momento de maior legitimida­de de um governante.

“O Brasil tem 144 estatais, o grosso disso poderá ser privatizad­o”

 ?? NILTON FUKUDA / ESTADÃO ?? Sem quebra. Contratos serão respeitado­s, diz Benevides
NILTON FUKUDA / ESTADÃO Sem quebra. Contratos serão respeitado­s, diz Benevides

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil