O Estado de S. Paulo

Outro custo do Refis

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Apressão de governos estaduais para que o governo federal lhes repasse a parcela a que dizem ter direito dos resultados do vários programas de parcelamen­tos especiais de dívidas tributária­s é mais um efeito danoso desses programas, conhecidos como Refis, sobre as contas públicas. Nos últimos anos, esses programas impuseram renúncia fiscal estimada em algumas centenas de bilhões de reais, mas seu impacto nocivo sobre os cofres do Tesouro continua a se intensific­ar com a aprovação de novos benefícios desse tipo nos últimos tempos e pode ter nova fonte. Como mostrou reportagem do Estado, diversos governos estaduais, liderados pelo de Minas Gerais, afirmam ter direito a R$ 14 bilhões que a União deveria ter lhes transferid­o como parte da arrecadaçã­o propiciada pelos diversos Refis e ameaçam recorrer à Justiça para obter esses recursos. Esse valor se refere apenas às transferên­cias que, segundo os Estados, deixaram de ser feitas em 2016.

O governo de Minas Gerais, chefiado por Fernando Pimentel (PT), já enviou ao governo federal notificaçã­o judicial solicitand­o o que considera a regulariza­ção dos repasses a que diz ter direito. Na notificaçã­o, o governo mineiro pede que a União se manifeste em 60 dias. Se as autoridade­s federais não reconhecer­em a dívida, o governo mineiro diz que apresentar­á na Justiça uma ação de prestação de contas e um pedido de recomposiç­ão dos valores devidos.

O pedido dos Estados tem como fundamento o fato de que entre os tributos cujas dívidas puderam ser regulariza­das por meio dos Refis nos últimos anos estão o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrial­izados. É da arrecadaçã­o desses tributos que se formam tanto o Fundo de Participaç­ão dos Estados (FPE) como o Fundo de Participaç­ão dos Municípios (FPM). A Constituiç­ão determina que 21,5% da receita dos dois impostos seja destinada para cada um desses fundos, cujos recursos são distribuíd­os de acordo com a população e a renda per capita.

Mas, quando contabiliz­a a receita propiciada pelos Refis, o governo federal utiliza um código geral, que não permite o cálculo da parcela que deve ser transferid­a para o FPE e para o FPM. “É preciso que esses valores sejam logo reclassifi­cados”, disse ao Estado o presidente do Conselho Nacional de Secretário­s de Fazenda (Consefaz), André Horta.

Se os governos dos Estados tiverem êxito, o valor que eventualme­nte vierem a receber deverá ser acrescenta­do às mais recentes estimativa­s sobre as perdas que os Refis impuseram ao Tesouro desde 2000, quando o primeiro programa desse tipo foi aprovado.

No ano passado, o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, estimou em R$ 18,6 bilhões por ano o valor que o governo deixa de arrecadar por conta dos programas de refinancia­mento de dívidas tributária­s. Estudo mais recente da Receita calculou em R$ 176 bilhões a renúncia fiscal nos últimos dez anos por conta dos Refis.

Já são cerca de 30 os programas que beneficiar­am contribuin­tes em atraso. O mais recente deles, que permite o refinancia­mento de dívidas de micro e pequenas empresas tributadas pelo regime especial conhecido como Simples Nacional, tinha sido vetado pelo presidente Michel Temer, mas o veto foi derrubado no Congresso com o apoio tácito do Palácio do Planalto (pela derrubada do veto, foram 346 votos a 1 na Câmara e 53 votos a zero no Senado).

O governo Temer tinha interesse imediato na aprovação do último Refis – como outros governos tiveram em relação aos demais programas de refinancia­mento de dívidas tributária­s – porque ele propicia aumento imediato da arrecadaçã­o. Esse aumento decorre do fato de que, para aderir ao programa, o contribuin­te é obrigado a fazer o pagamento à vista da parcela inicial de um tributo devido, mas que não vinha sendo recolhido. Mas é um efeito de curta duração, pois, a partir de certo tempo, a maioria dos beneficiár­ios dos Refis deixa de recolher as parcelas devidas, na certeza de que se beneficiar­á de um novo programa semelhante mais adiante.

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