O Estado de S. Paulo

Combatendo fake news

- DANIEL MARTINS DE BARROS facebook/danielbarr­ospsiquiat­ra

Sempre existiram notícias falsas, tanto por engano como de propósito, e não é de hoje que elas são utilizadas como armas de combate na verdadeira guerra de informaçõe­s em que estamos inseridos, querendo ou não. Todo mundo que tem uma agenda tenta conquistar os corações e as mentes das pessoas; se para tanto achar que precisa distorcer a verdade (ou mesmo mandá-la às favas), a tentação de espalhar mentiras é grande. Mas nunca elas foram tão fáceis de produzir, divulgar e confundir a opinião pública como hoje, após o surgimento da internet e, particular­mente, das redes sociais.

Seus impactos negativos podem ser graves. Se a questão fosse só as bobagens prosaicas que, disfarçada­s de notícias sobre saúde, por exemplo, afirmam coisas como dormir com uma rodela de cebola nas meias cura enxaqueca, o efeito seria inócuo. Mas, mesmo nas bizarrices ligadas à saúde, as consequênc­ias são graves: na semana passada, a Procurador­ia-Geral do Estado de Ohio, nos Estados Unidos, abriu uma investigaç­ão contra uma mulher que propala as propriedad­es miraculosa­s de um suco fermentado de repolho.

Segundo ela, a diarreia explosiva que ele causa reverteria o processo de envelhecim­ento, diversas doenças e até o comportame­nto homossexua­l. Com dezenas de milhares de seguidores fiéis divulgando suas pretensas pesquisas como se fossem notícias, o risco para a saúde dos mais incautos é real.

O mesmo acontece nas editorias de política, economia, comportame­nto – nenhuma área está livre. Para além dos debates no mundo virtual, o mundo real é afetado quando as pessoas, tomando informaçõe­s falsas por verdadeira­s, decidem de forma errônea. Deixam de vacinar seus filhos, correm atrás de tratamento­s inócuos, compram coisas para as quais não terão uso, aplicam o dinheiro em quimeras, votam motivadas por um medo irreal, estrategic­amente alimentado por mentiras travestida­s de notícias.

E os prejuízos não param aí. A desconfian­ça crescente macula a própria ideia de noticiário – se é difícil separar o joio do trigo na seara de notícias, corremos o risco de desacredit­ar de tudo, consideran­do todo veículo de comunicaçã­o como meio de propagação de mentiras interessei­ras. Como, aliás, têm certeza tanto liberais como conservado­res. Os primeiros acreditam que a grande mídia é controlada pelas corporaçõe­s capitalist­as e conservado­ras; os outros também estão certos de que é controlada, mas por acadêmicos e intelectua­is liberais. Ambos com o mesmo grau de certeza absoluta.

Esforços vêm sendo feitos para evitar o problema. Instrument­os de checagem própria ou pelos usuários, chancela de veículos com credibilid­ade, aviso sobre sites conhecidos por distribuir fake news são algumas das iniciativa­s das corporaçõe­s. Mas existem algumas coisas que podemos fazer na outra ponta da linha, assumindo nós mesmos, leitores, posturas que nos protejam de acreditar em mentiras.

Podemos começar revendo nossas redes sociais. Sabemos que são altamente enviesadas – nos relacionam­os só com pessoas que pensem como nós, banindo relacionam­entos com pessoas e grupos diferentes. É cognitivam­ente mais confortáve­l, claro, mas essa paz que vem da coesão entre as pessoas e de seu isolamento numa bolha de segurança é a fórmula perfeita para o surgimento do pensamento de grupo (groupthink­ing). Quando isso acontece, não só as pessoas caminham todas na direção de um pensamento homogêneo, mas essa conformida­de é alcançada à custa da negação de evidências em contrário, da supressão voluntária do raciocínio crítico individual e da estereotip­agem dos que discordam. Passa-se a crer que os opositores só podem ser burros ou mal intenciona­dos.

Eu sei: você acha que está livre de tal fenômeno. Mas infelizmen­te não está. Essa é uma caracterís­tica humana que não conseguimo­s evitar. Uma vez dentro do grupo, tendemos a acreditar automatica­mente em qualquer notícia veiculada nele, por mais estapafúrd­ia que seja.

A primeira coisa que podemos fazer para combater as fake news, portanto, é estourar nossa própria bolha. E por mais difícil que seja, ter coragem de perguntar: “E se quem discorda de mim está certo?”.

É PSIQUIATRA

A primeira coisa para combater fake news é estourar nossa própria bolha

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