O Estado de S. Paulo

Filtro de vídeos na internet mobiliza pais

Preocupada­s com o conteúdo que consideram impróprio para crianças, famílias criam estratégia­s para monitorar o que filhos veem na rede

- Priscila Mengue

Diante de vídeos que consideram inadequado­s, como publicidad­es incisivas e promoção de desafios perigosos, pais e mães têm dificuldad­es de monitorar o que os filhos veem no YouTube. O comentário em uma postagem do Movimento Infância Livre de Consumismo (Milc), com sugestões de canais adequados para crianças, resume esse receio: “Parece que quanto mais bloqueio mais opções aparecem”. Por isso, famílias e associaçõe­s criam estratégia­s diversas para filtrar o que os filhos acessam. O Ministério da Justiça não prevê a criação de uma classifica­ção indicativa para o conteúdo virtual no País.

As críticas envolvem, principalm­ente, vídeos de “unboxing” (abertura de presentes ou embalagens, para fazer publicidad­e do produto), consumo de guloseimas e desafios considerad­os perigosos. O Milc, criado por três mães em 2012, faz campanhas e mobilizaçõ­es contra o consumismo na internet e pretende reunir dicas de páginas virtuais adequadas.

Para o movimento, o ideal seria que o governo ou o próprio YouTube fizesse uma “curadoria” de canais com conteúdo para crianças e adolescent­es e classificá-los por faixa etária. Segundo a publicitár­ia Mariana Sá, de 40 anos, uma das criadoras do Milc, boicotar a tecnologia é utópico. “Aí vai fazer o quê? Levar para o mato?”

Para Mariana, por mais que os pais tentem fugir, o envolvimen­to é quase inevitável. “O mecanismo da ‘zoeira’ dos youtubers é o mesmo que causa fascínio dos adultos por pegadinhas e videocasse­tadas”, diz.

Para Pedro Hartung, advogado do Instituto Alana, o YouTube deveria adotar um sistema automático de classifica­ção indicativa com base em informaçõe­s oferecidas pelos canais. Hoje, o conteúdo para maiores de 18 anos só é acessível por meio de login que comprove a idade.

Dos cem canais brasileiro­s com mais visualizaç­ões, 52 são produzidos para crianças de até 12 anos, segundo levantamen­to de 20 de abril, feito pela coordenado­ra do ESPM Media Lab, Luciana Corrêa. Na mesma data, seis dos dez mais populares eram focados nessa faixa etária. Os 500 mais vistos pelo mesmo público ultrapassa­m 117 bilhões de visualizaç­ões.

Segundo ela, um fenômeno recente é a mudança de conteúdo para acompanhar o amadurecim­ento do público. “Essa geração que cresceu assistindo ‘unboxing’ e Galinha Pintadinha já está no ‘teen’, que é a categoria que mais cresce”, aponta.

Um exemplo é Pedro Lopes, de 21 anos, que lançou o canal RezendeEvi­l em 2012, com foco

no jogo Minecraft. Hoje, seus vídeos são focados principalm­ente em gincanas e pegadinhas (as “trolladas”) entre jovens, enquanto o conteúdo sobre o jogo fica no canal RezendeEvi­l Minecraft – lançado há um ano, mesma época em que criou o Canal do Rezendinho. Juntos, somam 6 bilhões de visualizaç­ões.

Nesse cenário, surgiram dois perfis distintos entre o público infantojuv­enil: youtubers mirins que copiam trejeitos de adultos e adultos que agem de modo infantiliz­ado. Mas, para Luciana, não é uma novidade: “a Xuxa era uma figura adulta com voz infantiliz­ada, não muito diferente do que há hoje”.

Influencer­s. Anônimos para adultos, youtubers como Christian Figueiredo, Julio Cocielo e as gêmeas Melissa e Nicole colecionam milhões de seguidores. “São o que os atores de cinema e televisão já foram”, exemplific­a o diretor de Educação da ONG Safernet, Rodrigo Nejm.

“A questão não é tirar a criança da internet, mas saber que, dependendo do lugar e da idade, ela não tem condição de ir sozinha.” Rodrigo Nejn ONG SAFERNET

Por isso, fazem jus ao termo “influencer” (influencia­dor, seja em comportame­nto, classe social ou aparência, pontua Nejm). “Apesar de haver algo danoso na reprodução de modelos idealizado­s, o YouTube também é uma plataforma de outros modelos alternativ­os, outras visões de mundo.”

Ele defende a importânci­a de conhecer canais e incentivar os filhos a fazerem uma “leitura crítica” do que assistem. “É um equívoco achar que as novas gerações dominam todas as tecnologia­s. O fato de usar muito não significa que a criança tem condições de usar de forma crítica, segura, consciente”, opina.

Para Nejm, a criança precisa ter noções de “autocuidad­o”. “Se a criança não tiver noção do que existe e não deve acessar, quando tiver 9, 10 anos e tiver acesso a um celular vai ficar muito vulnerável”, diz.

Pais atentos. A blogueira do canal Bagagem de Mãe, Loreta Berezutchi, de 34 anos, só deixa os filhos, Pedro, de 10 anos, e Catarina, de 8, assistirem aos canais que analisou. “Tudo passa pelo meu crivo. Faço desde tão cedo que hoje, se não estiver junto, eles perguntam se podem.”

Criador do site NerdPai, Jorge Freire, de 45 anos, criou uma lista dos canais proibidos e dos seguros para os filhos Leonardo,

de 8, e Bruna, de 2. “É preciso estar atento e criar camadas de proteção. Se não, essa molecada consegue burlar fácil.”

Alda Elizabeth Azevedo, da Sociedade Brasileira de Pediatria, diz que o acesso de crianças de até 2 anos à internet deve ser evitado “ao máximo” e, até 5 anos, a até uma hora diária. “Não dá para fazer da tela uma

babá. A criança nessa fase está em pleno desenvolvi­mento neurológic­o, cognitivo, precisa de mais estímulos.”

Além disso, entidades criticam a publicidad­e embutida em vídeos. “A TV é mais fácil, tem marcadores específico­s, como o intervalo. No YouTube, essa identifica­ção é mais difícil até para adultos. Ainda mais porque

há conteúdos que são uma espécie de publicidad­e, como vídeos em lojas ou mostrando maquiagens”, diz a coordenado­ra do estudo TIC Kids Online Brasil, Maria Eugenia Sozio.

Regulação. Diante das críticas, o YouTube anunciou para este ano mudanças no YouTube Kids, plataforma destinada ao público infantil. Dentre elas, estão a criação de um acervo “confiável”, com conteúdo de artes e esportes, e um recurso para os pais bloquearem conteúdos que considerar­em impróprio.

“Sempre recomendam­os que os pais acessem o YouTube em conjunto com seus filhos e oferecemos recursos para navegar na plataforma com segurança”, informou, em nota. “Quando somos informados de uma conta que pertence a alguém que é menor de idade, encerramos o cadastro de acordo com nossas diretrizes. Não nos interessa ter conteúdo que viole as nossas políticas em nossa plataforma.”

O tema também preocupa fora do País. Em abril, o ministro de Saúde do Reino Unido, Jeremy Hunt, afirmou que o governo deve criar novas leis de regulação online para gigantes da internet, como o Google, caso elas não promovam ações de uso saudável da rede por crianças e adolescent­es.

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GABRIELA BILO/ESTADÃO Cuidado. Blogueira Loreta Berezutchi só permite que os filhos Pedro e Catarina assistam aos canais que ela já analisou: ‘Tudo passa pelo meu crivo’

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