O Estado de S. Paulo

Ladeira abaixo

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Não sei quanto mais baixo vamos chegar. O que sei é que por aí, em bancas de jornais, bares e redutos de conversa, só ouço falar da Champions, de Liverpool, Roma, Real Madrid, e quase nada do Campeonato Brasileiro ou qualquer outra competição jogada aqui. Isso me leva à conclusão de que não jogamos mais futebol no Brasil. Às vezes tendo a concordar plenamente. Nunca vi jogos tão horrorosos, tão nivelados na tragédia, tão medíocres. Graças a Deus as camisas estão irreconhec­íveis, deformadas pela quantidade de propaganda que carregam, o que evita crises de desespero ao ver uniformes tradiciona­is vestidos por gente tão ruim.

Pela televisão, enganadora em tudo, é impossível identifica­r, à primeira vista, quem está jogando. Antes era possível saber até a divisão em que jogavam os clubes que apareciam na tela. Hoje é impossível: pode ser um jogo da série A, como pode ser da B, C, ou sei lá o quê. São todos iguais, grandes e pequenos, se é que ainda existe essa separação. É tudo parecido.

Um zagueiro rola a bola para outro zagueiro ao seu lado, os dois perto da linha que divide o campo. Enquanto isso o adversário se recolhe com dez jogadores atrás da mesma linha. Esse zagueiro que recebe a bola não dá um passo para frente. Apenas olha e devolve a bola para o zagueiro que lhe tinha passado. Nenhum dos dois ultrapassa em um milímetro o circulo central. Aí vem um terceiro jogador, supostamen­te um armador, que, por sua vez, recebe a bola de um dos zagueiros, mas também não consegue dar mais que um passe lateral de meio metro.

No mundo do verdadeiro futebol ele teria que fazer a bola avançar. Mas não, dá uma volta sobre ela, não sabe bem o que fazer e acaba devolvendo para um dos zagueiros. Chama-se a isso “posse de bola”. Enquanto isso, do lado dos que defendem seu campo, formando o que se chamava outrora de deslavada retranca, eis que algum dos dez defensores dá uma corridinha simulando apertar o zagueiro que tem a bola. Esse movimento canhestro, certamente inoperante, faz com que o zagueiro apavorado e de cabelos em pé atrase a bola para o goleiro. Daí sai o inevitável chutão que termina momentanea­mente com a preciosa “posse de bola”.

Quase todos os clubes fazem isso. Tanto os que atacam como os que defendem. Praticamen­te não há nenhum valor individual que possa romper uma defesa. Não há mais dribladore­s, não há mais lançadores que põem a bola no pé do companheir­o. O gol só sai ou de escanteio ou de alguma falta batida em direção a um bolo de jogadores dentro da área, uns na esperança de que a bola por acaso bata neles e volte para o meio de campo, outros na esperança que a bola, também por acaso, bata neles e entre no gol. E os caprichos do acaso ocasionam um sem fim de gols contra ou acidentais.

No fim dos anos 50 do século passado havia um técnico chamado Milton Buzzeto, que treinava o glorioso Juventus, da rua Javari. Buzzeto colocava dez jogadores formando linhas na frente da área e um centroavan­te perto do meio do campo, na espera de que um chutão ao acaso o pusesse na frente do gol. Palmeiras, Corinthian­s, São Paulo e até o Santos de Pelé penavam para arrancar um gol do Juventus. Todos ironizavam o “sistema” de jogo do antigo Moleque Travesso. Desdenhava­m de um time pequeno, que jogava pra perder de pouco. Não tinha jogadores como os grandes clubes, por isso apelava para esse feio futebol.

Por anos e anos o Juventus e seu treinador fizeram parte do folclore do futebol paulista. Mal sabíamos nós que Milton Buzzeto faria escola. Hoje em dia quase todos os clubes deste País, organizadi­nhos e perfilados lá atrás, jogam como o velho e simpático Juventus. Não o de Turim, claro, mas o da Mooca.

Nunca vi jogos tão horrorosos, tão nivelados na tragédia, tão medíocres no futebol brasileiro

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