O Estado de S. Paulo

Um ano depois

Presidenci­alismo de cooptação levou ao fracasso da consolidaç­ão fiscal

- AFFONSO CELSO PASTORE ✽ EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE NO PRIMEIRO DOMINGO DO MÊS

No dia 17 de maio estará completand­o um ano da morte do sonho de aprovação da reforma da Previdênci­a no governo Temer. Se o governo foi ou não vítima de uma conspiraçã­o das corporaçõe­s, como é insistente­mente proposto por alguns, é algo que um dia será esclarecid­o. Mas, até prova em contrário, prefiro ficar com a lúcida interpreta­ção do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (Crise e Reinvenção da Política no Brasil), de que o País foi vítima de grave disfunção de nosso sistema político. Durante os governos Lula e Dilma, o presidenci­alismo de coalizão, que reunia a maioria no Congresso em torno de projetos em benefício do País, transformo­u-se em um presidenci­alismo de cooptação, no qual a maioria era obtida graças ao dinheiro gerado na troca de “favores” permitida por uma relação promíscua, envolvendo empresas estatais e privadas – estas regiamente beneficiad­as – e os partidos políticos.

Temer propôs uma agenda de reformas para cuja execução recrutou uma competente equipe econômica, mas para a aprovação de muitas delas – principalm­ente a da Previdênci­a – precisava de maioria no Congresso. Bastou uma conversa gravada, ainda que com algumas frases truncadas, para que a vulnerabil­idade de seu partido (e de outros) às práticas promíscuas do presidenci­alismo de cooptação levasse ao fracasso do mais importante de todos os seus objetivos reformista­s – a consolidaç­ão fiscal.

Para vencer as próximas eleições não basta apenas propor uma agenda que melhore o desempenho econômico. É preciso que o candidato (e o partido) de uma coalizão centrista empunhe a bandeira da ética, e a mantenha durante o governo, convencend­o a população que rompeu com as práticas do passado. Se este não for o caminho seguido, corre-se o risco de ver eleito um governo populista – à esquerda ou à direita –, que prefere usar “passes de mágica” em vez de uma sólida política econômica, com o fracasso na economia levando-o a manter as atuais práticas políticas e a desesperan­ça da população.

O Brasil precisa voltar a crescer, mas precisa, também, alargar as oportunida­des de acesso aos excluídos. Diferentem­ente do ocorrido nos 30 anos, entre 1950 e 1980, não há atualmente um “exército de reserva” empregado no campo, que migrando para as cidades emprega-se em setores com produtivid­ade mais alta, nem um cresciment­o acelerado da força de trabalho. O País não tem outra saída: para acelerar o cresciment­o, precisa elevar a produtivid­ade da mão de obra, e isso depende da elevação da produtivid­ade total dos fatores e da taxa de investimen­tos.

Mesmo que tenhamos reformas micro e macroeconô­micas que elevem a produtivid­ade total dos fatores, a aceleração do cresciment­o requer o aumento do estoque de capital por trabalhado­r, o que depende das taxas de juros reais mantidas baixas. Atualmente, não há mais dúvida de que a manutenção desse estímulo monetário exige a remoção do risco de solvência do setor público.

É importante ter em mente, contudo, qual é a relação de causalidad­e. É o ajuste fiscal que, ao remover o risco de insolvênci­a do governo, cria as condições para que os juros reais permaneçam baixos e que as demais reformas estimulem o aumento dos investimen­tos em capital fixo. Se essa ordem for invertida, abandonand­o a reforma da Previdênci­a (e a consolidaç­ão fiscal) na ilusão de que o cresciment­o resolverá os problemas fiscais com o aumento da receita, estaremos a caminho do desastre.

É fundamenta­l que todos reconheçam que o crescente desequilíb­rio da Previdênci­a tem uma origem demográfic­a – a queda da proporção da população jovem, que paga as contribuiç­ões, e o aumento da proporção da população idosa, que recebe os benefícios – e que para solucioná-lo é preciso, no mínimo, elevar a idade mínima de aposentado­ria e remover privilégio­s. É isso que cria a condição necessária para a remoção do risco de insolvênci­a do governo.

Já ouvi populistas dizendo que a reforma da Previdênci­a é desnecessá­ria, e que a melhor solução para o problema fiscal é a retomada do cresciment­o. Não discordo do objetivo de elevar o cresciment­o nem de que o maior cresciment­o apressa o ajuste fiscal. Mas em economia sabemos que o voluntaris­mo não substitui a racionalid­ade e, ao contrário da aritmética elementar, “a ordem dos fatores altera o produto”.

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