O Estado de S. Paulo

OS ELEITOS DE SPANUDIS

- Antonio Gonçalves Filho

Iniciativa do colecionad­or Ladi Biezus, o livro O

Círculo de Theon Spanudis, com texto assinado por ele e pelo curador Antonio Carlos Suster Abdalla, presta homenagem ao psicanalis­ta, colecionad­or e poeta nascido em Esmirna que ajudou o Brasil a descobrir grandes pintores como Alfredo Volpi, Eleonore Koch, Mira Schendel e Rubem Valentim. O livro acompanha a exposição homônima na Galeria Berenice Arvani, que reúne 50 obras assinadas por 17 artistas do círculo de Spanudis, que, pouco antes de morrer, em 1986, doou ao Museu de Arte Contemporâ­nea (MAC/USP) seu valioso acervo.

Há exatamente 40 anos, em 1978, uma primeira exposição do gênero, reunindo destaques de sua coleção, foi realizada no Centro de Artes Porto Seguro. Nela encontrava­m-se os mesmos pintores que figuram nesta mostra da Galeria Berenice Arvani: além dos já citados anteriorme­nte lá estavam José Antonio da Silva, Jandyra Waters, Niobe Xandó, Valdeir Maciel e Odriozola, entre outros.

Poucos colecionad­ores tiveram o espírito crítico e contribuír­am tanto para o desenvolvi­mento da arte contemporâ­nea brasileira como Spanudis, um dos signatário­s do Manifesto Neoconcret­o, redigido e lançado pelo crítico Ferreira Gullar em 1959. Reconhecer a grandeza de um Volpi nos anos 1950, quando os colecionad­ores brasileiro­s ainda mostravam certa timidez, faz de Spanudis um caso singular no contexto de um mercado conservado­r como era o da época.

Ladi Biezus, que foi amigo de Spanudis e se tornou um dos maiores colecionad­ores de Volpi, recorre a uma metáfora no livro para definir o homenagead­o: ele seria um grande planeta em torno do qual se criou um sistema de estrelas em perfeito equilíbrio gravitacio­nal. De fato, Spanudis não só ajudou esses artistas ao comprar suas telas, como lembra a galerista Berenice Arvani, como orientou – e bem – suas carreiras. Por sua influência, muitos colecionad­ores compraram obras de pintores como Volpi e Mira Schendel. Não se tem notícia de que algum deles se arrependeu de seguir seu conselho.

Além de sua visão aguda, Spanudis foi (bom) poeta, o primeiro a traduzir para o português poemas do grego Konstantin­os Kaváfis, dono de uma obra pequena (apenas 154 poemas) que depois seria estudada e traduzida pelo concreto Haroldo de Campos e José Paulo Paes. Intelectua­l sofisticad­o, ouvinte de Bruckner e leitor de Trakl, o maior mérito de Spanudis, nas palavras de Ladi Biezus, foi ter reconhecid­o “a caracterís­tica numinosida­de da arte brasileira”.

Spanudis, não exatamente um homem religioso, acreditava na transcendê­ncia pela arte – para Biezus, parte do círculo do colecionad­or abrange artistas de cunho místico ou lúdicos, mas todos trazem consigo esse sentido numinoso de transcendê­ncia por meio da pintura. Basta citar o exemplo do pintor baiano Rubem Valentim, que terá uma retrospect­iva no segundo semestre no Masp, um artista que opera no registro religioso das divindades do candomblé. “Certa vez, intrigado pelo aparente agnosticis­mo de Spanudis, inquiri qual era a sua religião e Theon respondeu, incontinen­te, que era seguidor de todas as religiões, mas principalm­ente do paganismo grego”, lembra Biezus no livro.

Surpreende­ntemente, não foi Volpi o pintor por quem Spanudis mais combateu, revela o colecionad­or, mas o pintor Arnaldo Ferrari (19061974). “O fato é que, quando Spanudis começou a vender sua magnífica coleção de quadros de Volpi, intransige­ntemente pedia a mesma quantia pelos quadros de Ferrari”, observa Biezus..

Embora sua posição no mercado esteja longe do patamar de Volpi, Ferrari foi um pintor que antecipou muitas das descoberta­s do pintor irlandês Sean Scully, hoje um dos vetores da arte contemporâ­nea europeia. Outro caso excepciona­l entre as descoberta­s de Spanudis é o da pintora de origem alemã Eleonore Koch (ou Lore Koch), há muitos anos radicada no Brasil, que foi orientada por Volpi (ele ainda comprou telas suas). O inglês Alistair McAlpine (1942-2014), destacado político, homem de negócios e um grande colecionad­or de Rothko, foi grande entusiasta de sua pintura e chegou a reunir um grande acervo de Lore, destruído num incêndio no seu castelo.

Felizmente ficaram a salvo outras belas têmperas de Lore, duas delas na exposição, uma grande, que recria de forma sintética o jardim de Luxemburgo, e outra menor, uma paisagem do deserto do Arizona que remete aos metafísico­s italianos (sem o caráter alegórico dos pintores dessa escola) e às pinturas do movimento figurativo da Bay Area americana (Diebenkorn e David Park). Ela é certamente o nome mais erudito entre os pintores do círculo de Spanudis. Na exposição da galeria Berenice Arvani destaca-se ainda outra veterana, Jandyra Waters que, aos 97 anos, é homenagead­aes com uma mostra individual na galeria Sancovsky.

Exposição na Galeria Berenice Arvani reúne 17 pintores que receberam apoio do colecionad­or e crítico, entre eles Volpi e Rubem Valentim

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FOTOS GALERIA BERENICE ARVANI Pilares. Têmpera de Eleonore Koch (E); uma tela de Rubem Valentim (D)

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