O Estado de S. Paulo

‘Populismo pode minar instituiçõ­es dos EUA’

Para economista, natureza ‘errática’ de Donald Trump torna mais palpável uma guerra comercial com a China

- Cláudia Trevisan CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

Para o economista Barry Eichengree­n, medidas de Trump em relação ao comércio internacio­nal refletem sua visão populista e podem, no curto prazo, levar a guerras comerciais e, no longo prazo, enfraquece­r as instituiçõ­es dos EUA.

Apesar da retórica estridente do governo Donald Trump, existe uma chance de 50% de o conflito comercial entre Estados Unidos e China terminar em acordo que evite uma guerra tarifária entre as duas maiores economias do mundo, avalia o economista Barry Eichengree­n, professor da Universida­de da Califórnia em Berkeley. Mas a natureza errática do atual ocupante da Casa Branca traz o risco de que o pior cenário se concretize.

Eichengree­n vê nas políticas comerciais de Trump um reflexo dos instintos populistas que o levaram à presidênci­a. “Trump tende a ver o comércio internacio­nal como um jogo de soma zero, no qual exportador­es ganham e importador­es perdem.” A recente emergência do populismo no Ocidente é tema do livro The Populism Temptation (A Tentação Populista), que Eichengree­n acaba de lançar nos EUA. A seguir, trechos da entrevista.

Qual a probabilid­ade de uma guerra comercial ampla entre EUA e China?

Eu continuo a estimar em 25% a chance de que ela ocorra. Também coloco em 25% a probabilid­ade de tarifas limitadas, que afetariam US$ 3 bilhões em importaçõe­s de aço e alumínio e US$ 50 bilhões de outros bens. Atribuo a maior probabilid­ade, de 50%, a uma solução negociada, como a que foi encontrada na revisão do acordo de livre-comércio entre EUA e Coreia do Sul, no mês passado. O secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, sinalizou a disposição de negociar. Então, podemos ser esperanços­os. Mas com a natureza errática do presidente Trump, sempre há a possibilid­ade de que as coisas deem muito errado.

Quais seriam as consequênc­ias de uma guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo?

Haveria grandes rupturas nas cadeias globais de suprimento e a confiança dos investidor­es seria abalada. Não estou seguro de que uma recessão global poderia ser evitada.

Como uma guerra comercial afetaria o Brasil e outros países latino-americanos que exportam commoditie­s para a China?

O governo chinês tem controle suficiente da economia para controlar o ritmo de desacelera­ção. Eles têm espaço monetário e fiscal para compensar o declínio nas exportaçõe­s. Mas conflitos comerciais aceleraria­m a rotação da produção chinesa da produção de mercadoria­s para a direção de serviços. E serviços são menos intensivos em energia e commoditie­s, portanto, haveria consequênc­ias para países como o Brasil.

Que tipo de concessões a China teria de fazer para evitar uma guerra comercial?

A renegociaç­ão do acordo entre Coreia do Sul e EUA dá algumas pistas. Os EUA extraíram pequenas concessões no acesso ao mercado de veículos da Coreia do Sul. Também foi adotada uma “cláusula de manipulaçã­o de moeda”, desenhada para dar aos EUA um meio de reclamar, caso seu déficit comercial com a Coreia do Sul aumente muito. É possível imaginar pontos semelhante­s em relação à China. Mas é difícil chegar a um acordo sobre a aplicação mais efetiva de leis de proteção de propriedad­e intelectua­l pela China, que é outra demanda dos EUA. Uma guerra comercial será evitada apenas se a administra­ção Trump entender que a solução desse problema demanda tempo. Isso vai exigir a construção de uma coalizão de países interessad­os na mesma coisa. E vai requerer trabalhar com a OMC (Organizaçã­o Mundial do Comércio). Não está claro se Trump tem paciência para isso.

O governo Trump parece alarmado com a influência da China no mundo e, em particular, na América Latina. Como o sr. vê o futuro dessa relação bilateral?

O conselheir­o de Trump para questões comerciais, Peter Navarro, é autor de um livro chamado Death by China (Morte pela China). Portanto, não deveria surpreende­r essa abordagem alarmista em relação à postura geopolític­a cada vez mais assertiva da China. Conflitos comerciais vão ter o lamentável efeito de tornar mais difícil para os EUA e a China cooperarem em questões como a Coreia do Norte.

O sr. acaba de publicar The Populism Temptation, livro que analisa a emergência de movimentos populistas no Ocidente. As medidas de Trump em relação ao comércio internacio­nal refletem uma visão populista? Claro. Populistas veem as coisas em termos de “nós versus eles” ou “nativos versus o ‘outro’”. Trump tende a ver o comércio internacio­nal como um jogo de soma zero, no qual exportador­es ganham e importador­es perdem. Um conhecimen­to básico de economia é suficiente para levar à conclusão de que essa visão é falaciosa. Mas o sr. Navarro e o presidente que ele aconselha não possuem esse conhecimen­to.

Quais são os riscos representa­dos pela onda populista?

No curto prazo, guerras comerciais e hostilidad­e em relação a imigrantes e minorias. No longo prazo, enfraqueci­mento das instituiçõ­es que fazem os EUA o país que ele é, de um FBI com integridad­e à independên­cia de uma imprensa livre.

Quais forças impulsiona­m essa emergência populista?

Minha pesquisa confirma que as forças subjacente­s são uma combinação de inseguranç­a econômica – de fato ou ao menos o temor de ser deixado para trás – e preocupaçõ­es com identidade – o medo de se tornar uma minoria racial ou étnica no caso dos cidadãos brancos nos EUA e na Europa. É a interação entre inseguranç­a econômica e política da identidade que cria um terreno fértil para os populistas.

Cooperação “Conflitos comerciais vão ter o lamentável efeito de tornar mais difícil para os EUA e a China cooperarem em questões como a Coreia do Norte.”

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BERKELEY ECONOMICS/UNIVERSITY OF CALIFORNIA-10/11/2009 Risco. Para Eichengree­n, Trump não conhece economia

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