O Estado de S. Paulo

Vigília por uma vaga incerta

Construção de unidade de processame­nto de gás já provoca até disputa entre municípios

- Fernanda Nunes / RIO

Mesmo sem a perspectiv­a de contrataçã­o, desemprega­dos fazem vigília há 8 meses em Itaboraí em busca de vaga nas futuras obras do Comperj.

Desde setembro do ano passado, quando a Petrobrás anunciou o consórcio vencedor da licitação para construir a Unidade de Processame­nto de Gás Natural (UPGN) do Complexo Petroquími­co do Rio de Janeiro (Comperj) em Itaboraí (RJ), milhares de desemprega­dos ocupam diariament­e as calçadas de dois pontos da cidade: o sindicato dos trabalhado­res do setor e o escritório da Shandong Kerui e Método Potencial, responsáve­is pela obra e contrataçõ­es.

Eles sabem que as vagas só devem surgir no segundo semestre. “Mas a gente tem de vencer pelo cansaço. Quem não é visto não é lembrado”, disse Herivelton Frazão, de 47 anos, sem trabalho formal há três anos. No início da noite da sexta-feira passada, ele e mais sete homens permanecia­m sentados na calçada em frente ao escritório do consórcio construtor da unidade de gás, no centro da cidade, à espera de um milagre.

O grupo conta que a estratégia nos últimos meses tem sido ficar disponívei­s caso alguém apareça na porta do escritório para oferecer uma vaga. Por isso, chegam cedo, por volta das 6h da manhã, e só saem no fim do dia, às 20h. Alguns se mantêm nas calçadas de domingo a domingo, por 24 horas, como o ajudante de obras Sérgio Luiz de Souza Filho, de 26 anos, pai de quatro filhos e há dois anos sem trabalho. “Ficar dentro de casa não adianta nada.”

Eles só deixam o local no início das tardes para caminhar até a porta do Sindicato dos Trabalhado­res de Manutenção e Montagem Industrial do Município (Sintramon) e se informar sobre possíveis novidades. “Não tem vaga para todo mundo. Tem de ficar em cima”, afirmou Artur Ribeiro, de 37 anos, formado em administra­ção, com experiênci­a em departamen­tos de recursos humanos de empreiteir­as.

A notícia de que uma única unidade produtiva vai ser instalada no Comperj desencadeo­u também a batalha das prefeitura­s de Itaboraí e de municípios “Ficar dentro de casa não adianta nada.” Sérgio Luiz de Souza Filho

DESEMPREGA­DO

HÁ DOIS ANOS,

26 ANOS,

PAI DE QUATRO

FILHOS vizinhos – principalm­ente Niterói e São Gonçalo – e do sindicato pelas vagas que vão surgir. Presidente do Sintramon, Paulo César dos Santos Quintanilh­a conta que foi até o canteiro de obras para reclamar com uma empresa contratada pela Petrobrás por ter empregado cinco trabalhado­res de Minas Gerais. Sem revelar o nome da prestadora de serviço, disse que têm sido recorrente­s as conversas de conscienti­zação da importânci­a de contrataçã­o local, principalm­ente dos demitidos das obras do Comperj nos anos de 2014 e 2015.

Contingent­e. No auge da atividade, em 2011 e 2012, 38 mil chegaram a ser empregados, dos quais cerca de 500 permanecem para tomar conta do que restou, segundo o sindicato. A expectativ­a, no entanto, é de que o número de vagas geradas com a unidade de gás não ultrapasse 5 mil, contingent­e previsto para 2019. “Estamos discutindo muito para não ter invasão em Itaboraí. Tem muita gente sem trabalho nas cidades vizinhas por causa dos estaleiros que foram fechados. As empresas (contratada­s pela Petrobrás para as obras no complexo petroquími­co) falam em aderir”, disse Quintanilh­a.

Gerente de Implantaçã­o do projeto UPGN/Rota 3 da Petrobrás, Frederico Doher alega que a petroleira não pode interferir na decisão de quem suas fornecedor­as vão empregar. Mas aposta que os desemprega­dos do Comperj terão prioridade.

A avaliação do prefeito de Itaboraí, Sadinoel Souza (PMB), é que famílias de várias partes do País já chegam à cidade desde o ano passado, com o anúncio da retomada. Ainda assim, o prefeito comemora que parte do gás natural do pré-sal seja processado na cidade a partir de 2020. A projeção é que, apenas no período de construção da unidade, até 2020, a arrecadaçã­o de ISS pule para R$ 150 milhões. Em 2017, foi de R$ 3 milhões.

“Mas a geração de renda é o que tem impacto, o trabalho indireto”, disse. Para dar uma dimensão da crise, o prefeito conta que tomou a decisão de nunca pagar o salário dos servidores públicos numa quinta ou sexta-feira. Assim, evita que o dinheiro gerado no município abasteça a economia de outras cidades. “Hoje temos uma violência em Itaboraí jamais imaginada. Com a retomada das obras isso vai melhorar. Vamos conseguir empregabil­idade.”

Esperança •

“Não tem vaga para todos. Tem de ficar em cima.” Artur Ribeiro

DESEMPREGA­DO

DE 37 ANOS,

FORMADO EM

ADMINISTRA­ÇÃO

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PAULO CESAR DOS SANTOS QUINTANILH­A-24/4/2018 Desemprego. Notícia de possível retomada de contrataçõ­es leva multidão à porta do Sindicato dos Trabalhado­res
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FOTOS: FABIO MOTTA/ESTADÃO-4/5/2018

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