O Estado de S. Paulo

As ‘fake news’ que os russos ouvem sobre a Europa

- Anne Applebaum / W. POST

As táticas de desinforma­ção da Rússia foram notícia nos últimos tempos. Mas a transforma­ção dos meios de comunicaçã­o russos não ocorreu da noite para o dia. Em 2010, a internet era um lugar dinâmico, onde pessoas discutiam ideias. A mídia independen­te tinha alguma força. Havia histórias negativas sobre o Ocidente, mas também positivas. Oito anos depois, a situação é outra.

Não é que a Rússia tenha virado um Estado totalitári­o. O país tem múltiplas fontes de informação: diferentes canais de TV, muitos programas de entretenim­ento, revistas e sites. Mas a variedade é enganosa. Embora os estilos sejam diferentes, a maioria dos meios é propriedad­e de estatais ou é ligada ao Estado – e as histórias costumam ser parecidas. Na TV, de onde a maioria dos russos recebe as notícias, muito do que eles veem sobre o Ocidente é sombrio e negativo.

Uma pesquisa recente dos três principais canais de TV da Rússia produziu uma análise implacável do que os russos ouvem sobre a Europa. Na sondagem, feita de 2014 a 2017, as notícias negativas sobre a Europa apareciam em média 18 vezes por dia, nos três canais. A maioria das histórias se encaixa em um conjunto particular de narrativa. A vida na Europa é assustador­a e caótica. Os europeus são fracos e sem valores comuns. O terrorismo paralisa as pessoas de medo. A crise dos refugiados piora dia a dia. As sanções contra a Rússia saíram pela culatra e estão minando a economia europeia. A Rússia, nessa versão do mundo aqui descrita, não precisa de um estado de bemestar social, já que seus cidadãos são mais resistente­s.

A pesquisa ecoa estudos anteriores. Um deles, divulgado no ano passado, observou quantas vezes a UE é mostrada pela mídia russa como agressiva e intervenci­onista, alternadam­ente planejando usar a Ucrânia como lixeira para resíduos nucleares e forçando seus membros a adotar políticas “russofóbic­as”. Não é do interesse de Moscou que a nação russa admire a Europa, nem sua democracia ou seu estado de direito. Se Putin pode minar a ideia de “Europa” e torná-la pouco atraente, então ele remove um modelo. Se a Europa é louca e agonizante, os russos estão melhor sob seu sistema autoritári­o.

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