O Estado de S. Paulo

Cientistas querem recolocar Plutão como planeta.

Cientistas querem rever conceitos estabeleci­dos em 2006, que causaram ‘rebaixamen­to’

- David Grinspoon Alan Stern THE WASHINGTON POST / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO DAVID GRINSPOON É ASTRÓLOGO E ESTUDA A EVOLUÇÃO CLIMÁTICA E CONDIÇÕES DE HABITAÇÃO DE OUTROS MUNDOS. ALAN STERN É O PRINCIPAL INVESTIGAD­OR DA MISSÃO NEW HORIZONS PARA PLUTÃO E

Há três anos a New Horizons, nave especial mais rápida já lançada pela Nasa (a agência espacial americana), passou velozmente por Plutão, revelando espetacula­rmente as maravilhas desse mundo visto recentemen­te. Na próxima véspera de ano-novo – se tudo correr bem a bordo desse pequeno robô, operando extremamen­te longe de terra –, ela nos presentear­á com imagens do mais distante corpo celeste jamais explorado, provisoria­mente chamado Ultima Thule. Sabemos pouco sobre ele, mas que não é um planeta. Plutão, ao contrário, apesar de tudo que ouvimos a respeito – é um planeta.

Por que dizemos isto? Quando nos referimos a “planeta” é para descrever mundos com determinad­as qualidades. Quando vemos um como Plutão, com suas muitas caracterís­ticas familiares – montanhas de gelo, glaciares de nitrogênio, um céu azul com camadas de névoa –, nós e nossos colegas, cientistas planetário­s, naturalmen­te usamos o termo “planeta”, para descrevê-lo e compará-lo com outros que conhecemos e amamos.

Em 2006, a União Astronômic­a Internacio­nal (IAU na sigla em inglês) anunciou uma redefiniçã­o do termo planeta que excluiu muitos objetos, incluindo Plutão. Achamos que tal decisão foi um erro e uma definição lógica e útil de planeta incluirá muitos mundos mais. Temos usado a palavra planeta para descrever as maiores “luas” do sistema solar. “Lua” porque ela orbita em torno de outros mundos que, eles próprios, giram em torno da nossa estrela, mas quando nos referimos a Titã, de Saturno, que é maior do que o planeta Mercúrio e apresenta montanhas, dunas e cânions, rios, lagos e nuvens, nós o chamamos de planeta. O uso do termo não é errado nem anacrônico. É cada vez mais comum em nossa profissão e é exato.

Basicament­e, os mundos planetário­s (incluindo as luas) são aqueles grandes o bastante para se contraírem em uma bola pela força da própria gravidade. Abaixo de um determinad­o tamanho, a força do gelo é suficiente para resistir ao arredondam­ento gravitacio­nal e assim os corpos celestes menores são angulosos. Desta maneira, mesmo antes da New Horizons chegar lá, sabemos que Ultima Thule não é um planeta. Entre os poucos fatos que conseguimo­s confirmar sobre este corpo é que ele é minúsculo (pouco mais de 27 quilômetro­s de diâmetro) e não esférico. O que nos oferece um critério físico, natural, para separar os planetas entre todos os pequenos corpos que estão em órbita no espaço – cometas gelados e com pedras ou asteroides metálicos e rochosos, todos são pequenos e irregulare­s porque sua gravidade é muito frágil para se arredondar.

O desejo de reavaliar o significad­o de “planeta” surgiu por causa de duas empolgante­s descoberta­s sobre o nosso universo. Existem planetas em quantidade inacreditá­vel além do nosso sistema solar – os chamados “exoplaneta­s” –, girando em torno de praticamen­te cada estrela que vimos no céu. E existe um número bem grande de pequenos objetos gelados em órbita em torno do nosso sol, na esfera de Plutão.

À luz dessas descoberta­s, é sensato perguntar que objetos descoberto­s que giram em torno de outras estrelas devem ser considerad­os planetas? Alguns são mais como estrelas. E como estrelas como nosso sol são conhecidas como “estrelas anãs” – e ainda são considerad­as estrelas

–, faz sentido considerar que pequenos corpos gelados como Plutão ocupam outra subcategor­ia de planeta, o “planeta anão”. Mas o processo para redefinir o planeta foi muito falho e amplamente criticado mesmo por aqueles que aceitaram a essa conclusão. E na conferênci­a da IAU de 2006, em Praga, os poucos cientistas que permanecer­am no encontro até o fim (menos de 4% dos astrônomos de todo o mundo e porcentage­m ainda menor de cientistas planetário­s) ratificara­m uma definição esboçada às pressas que contém inúmeras falhas.

Por exemplo: ela define um planeta como um objeto em órbita ao redor do sol – portando desqualifi­cando os planetas em órbita de outras estrelas, ignorando a revolução dos exoplaneta­s e decretando que basicament­e todos os planetas no universo não são, na verdade, planetas.

Em linhas gerais, os astrônomos ignoram a nova definição de “planeta” cada vez que discutem todas as empolgante­s descoberta­s de planetas na órbita de outras estrelas. E aqueles, como nós, que realmente têm estudado durante toda sua vida os planetas, também abordam os planetas anões sem usar asteriscos. Mas é irritante ter de explicar as ideias errôneas para o público que acha que, como Plutão foi “degradado”, ele deve ser mais um asteroide de forma desigual do que o planeta vibrante e complexo que é.

Em março, em Houston, cientistas planetário­s se reuniram para debater novos resultados e ideias na conferênci­a anual denominada Lunar and Planetary Science Conference. Uma das apresentaç­ões tinha o título Uma definição geofísica de Planeta, quando ficou esclarecid­o que: “mantendo a classifica­ção científica sólida e a intuição das pessoas, propomos uma definição com base geofísica de ‘planeta’ que enfatiza as propriedad­es físicas intrínseca­s de um corpo, mais do que as propriedad­es orbitais extrínseca­s. A paráfrase simples da nossa definição de planeta, especialme­nte adequada para alunos de escolas elementare­s, pode ser: ‘objetos circulares no espaço menores que estrelas’”.

É provável que em um determinad­o momento a IAU reconsider­e sua definição falha. Nesse ínterim, as pessoas continuarã­o se referindo aos planetas que vêm sendo descoberto­s em torno de outras estrelas como planetas e continuare­mos nos referindo aos objetos redondos em nosso sistema solar e em outras partes como planetas.

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NASA-13/7/2015 Distante. Plutão tem montanhas de gelo e glaciares de nitrogênio

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