O Estado de S. Paulo

A ilusória economia no regime de cotas

- CLAUDIO J. SALES E RICHARD HOCHSTETLE­R SÃO DO INSTITUTO ACENDE BRASIL (WWW.ACENDEBRAS­IL.COM.BR)

Cinco anos atrás, a presidente Dilma anunciava em cadeia nacional uma redução média de 20,2% nas tarifas de energia elétrica. A maior parte da redução viria da adoção da renovação de concessões hidrelétri­cas no regime de cotas introduzid­a pela Medida Provisória 579 de 11/9/2012. Como num passe de mágica, o governo pretendia promover, por decreto, uma drástica redução do custo da eletricida­de.

O plano era que o governo quitaria o saldo remanescen­te dos ativos ainda não depreciado­s das hidrelétri­cas que aderissem ao novo regime de concessões, eliminando a necessidad­e de incluir nas tarifas a remuneraçã­o do capital investido na instalação das usinas. Além disso, o novo regime alterava os termos de suprimento: 1) as concession­árias seriam responsáve­is apenas pela manutenção das hidrelétri­cas; e 2) os consumidor­es “cotistas” passariam a repartir a energia produzida, assumindo o risco hidrológic­o.

Portanto, como os geradores hidrelétri­cos estariam livres do risco hidrológic­o (que agora passava para os consumidor­es), parte das tarifas de energia já não incluiria um prêmio pela gestão de risco, passando a cobrir apenas custos de operação e manutenção das usinas que passassem a operar nas novas regras.

O governo Dilma previa que, com essas alterações, o custo de energia dessas hidrelétri­cas seria reduzido em cerca de dois terços.

Passados cinco anos, os inconvenie­ntes dessa forma de contrataçã­o de energia tornam-se evidentes, e o consumidor já pode perceber que a suposta economia atribuída ao novo regime de concessões não passou de ilusionism­o. Isto fica demonstrad­o quando se examina o custo efetivo das usinas hidrelétri­cas no regime de cotas.

O custo efetivo da energia no regime de cotas tem vários componente­s, a começar pelo valor nominal da cota, que em 2017 foi de R$ 51/MWh, valor obtido pela divisão da “Receita Anual da Geração” (RAG) dessas usinas (R$ 5,3 bilhões) pelo montante lastreado pelos contratos (11,8 GW médios). No entanto, é necessário adicionar os demais custos.

Em 2017, por exemplo, os consumidor­es atendidos pelos “Contratos de Cotas de Garantia Física” tiveram que adquirir energia no Mercado de Curto Prazo para complement­ar o seu suprimento a um custo médio ponderado de R$ 476/MWh, o que somou cerca de R$ 6,8 bilhões no ano (ou R$ 69/MWh).

Há ainda os R$ 12,3 bilhões (atualizado­s pelo IPCA para jan/2018) em indenizaçõ­es a serem pagas aos concession­ários pelos ativos ainda não depreciado­s (valor ainda sub judice). Quando esse montante é anualizado por 20 anos de concessão, temos outros R$ 9 a 15/MWh (dependendo da taxa de remuneraçã­o do capital considerad­a).

A soma dos três componente­s acima varia entre R$ 129/MWh e R$ 135/MWh, valor sempre superior ao “Valor de Referência” (custo médio da energia de novos empreendim­entos contratado­s nos Leilões de Energia), que foi de R$ 125/MWh em 2017. Vale lembrar que a cada cinco anos a RAG é revisada e que na primeira revisão, que ocorrerá em 2018, se estima sua elevação em 16% para contemplar os investimen­tos

Num passe de mágica, o governo pretendia promover uma drástica redução do custo da eletricida­de

feitos no período.

Na prática, em 2017 o custo da energia das usinas no regime de cotas – que teoricamen­te deveriam ser as usinas mais baratas do sistema – foi maior do que o de novas usinas. É claro que em períodos de geração hidrelétri­ca abundante os preços no regime de cotas serão menores.

No entanto, o aspecto mais danoso do regime de cotas é a eliminação da gestão ativa do risco hidrológic­o, que passa a ser arcado pelo consumidor de forma passiva.

A adoção do regime de cotas também tem efeitos perversos no mercado de energia, pois elimina uma parcela grande da “Energia Existente” que proporcion­ava liquidez para lidar com as oscilações da oferta e demanda.

É por isso que faz sentido a “descotizaç­ão” de parte dos contratos no regime de cotas, conforme propõe o Projeto de Lei 9.463/2018 em tramitação no Congresso Nacional.

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