O Estado de S. Paulo

As ambiguidad­es de Nery

Paraense ganha exposição com mais de 200 obras no MAM de São Paulo.

- Pedro Rocha ESPECIAL PARA O ESTADO

Já se passaram quase 18 anos desde a última grande exposição do paraense Ismael Nery (19001934), realizada pelo Centro Cultural Banco do Brasil em comemoraçã­o ao seu centenário de nascimento, em 2000. A obra do pintor, porém, será agora relembrada no que deve ser a maior mostra já realizada sobre ele. Ao todo, 220 trabalhos seus desembarca­m no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) a partir desta terça-feira, 8, para relembrar sua trajetória de contradiçõ­es e ambiguidad­es.

“Há toda uma geração que nunca teve a oportunida­de de entrar em contato profundo com a obra dele”, diz o crítico Paulo Sergio Duarte, curador da mostra Ismael Nery – Feminino e Masculino. “Isso explica uma exposição desse porte.” A coletânea contempla praticamen­te todo o período de atividade do pintor até a sua morte, aos 33 anos – idade que ele soturnamen­te previu.

“A exposição vem num momento importante, em relação a duas questões muito contemporâ­neas”, explica Duarte. Uma delas seria a constante busca de Nery por uma arte cosmopolit­a, diferente de outros nomes do modernismo no País, que procuravam uma linguagem nacional. “Ele estava sintonizad­o com movimentos internacio­nais. Queria ser mais cosmopolit­a que local.”

Não por acaso, além de períodos expression­ista e cubista, sua obra ficou conhecida por sua caracterís­tica surrealist­a. “Sua família tinha recursos e ele teve chances que outros artistas brasileiro­s não tiveram, de viajar para a Europa por temporadas longas”, relembra o curador. Na França, Nery conheceu André Breton pessoalmen­te, após o lançamento do manifesto surrealist­a. Marc Chagall também virou influência. Um dos quadros em exposição no MAM faz, inclusive, referência ao colega: Como Meu Amigo Chagall.

Por conta, também, do afastament­o dos modernista­s, a obra do pintor foi isolada e esquecida pelo menos até os anos 1960, quando seu nome foi incluído pela primeira vez na Bienal de São Paulo. “Ele tentou fazer exposições em vida, mas foram um fracasso. As pessoas não entendiam”, conta o curador.

A outra questão atual da obra de Ismael Nery é a discussão sobre gênero e sexualidad­e – esta, talvez, sua maior contradiçã­o. “O Ismael era católico apostólico romano, membro da Terceira Ordem Franciscan­a, mas um narcisista profundo, que explorou temas absolutame­nte ambíguos e ambivalent­es na questão da sexualidad­e”, analisa Paulo Sergio. Tão narcisista, brinca o curador, que até um quadro com a imagem de Jesus possui suas feições. Em muitas das pinturas, Ismael se retratava de forma andrógina, assim como à sua mulher, a poeta Adalgisa Nery. Figuras masculinas e femininas se misturam.

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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO Mistura. Feminino e masculino se confundem na obra do artista
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FOTOS ROMULO FIALDINI Destaques. Quadros ‘Como Meu amigo Chagall’ e autorretra­to de 1927 são algumas das obras mais icônicas da exposição no MAM

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