William Waack
Sem ‘outsider’
Brasileiro clama pelo “novo”, mas terá de decidir por candidaturas que só prosperam dentro do arcabouço do “velho”.
Tenho grande apreço pelo exministro Joaquim Barbosa, que conheço pessoalmente, mas não o suficiente para dizer se ele é fã de Tom Jobim. É atribuída ao maestro a frase “o Brasil não é para principiantes”. Ao desistir da candidatura que nem sequer tinha sido oficializada, Joaquim Barbosa confirmou o cerne da mensagem de Tom Jobim: no sistema político-partidário brasileiro, prosperam apenas os profissionais.
A grosso modo, esse sistema vigora desde a redemocratização e favorece estruturas partidárias estabelecidas e seus respectivos caciques. Nunca foi atropelado por fora – Collor em 1989 já era um conhecido governador e Lula venceu em 2002 quando já era suficientemente parte desse mesmo sistema. Ele perdura, e impede que o Brasil, nas próximas eleições, possa ser comparado a uma França (Macron fundou um partido um ano antes de se eleger). Frente à realidade das nossas estruturas políticas, Joaquim Barbosa e Luciano Huck preferiram (pelo bem deles e pelo bem geral) cuidar por enquanto das próprias vidas.
A complicação expressada nos “fracassos” de Barbosa e Huck frente ao sistema político é muito maior do que terem embaralhado por algum tempo a corriqueira dança das articulações políticas e as possíveis alianças eleitorais. Pois o que atropelou por fora nosso sistema político foi a Lava Jato, que em boa parte o destruiu, mas não o substituiu por qualquer outra coisa. Além de ter trazido algo realmente inédito comparado às últimas eleições: a campanha anticorrupção encurralou também a máquina do governo e, ao lado da extraordinária impopularidade do atual presidente, impediu um candidato “governista” capaz de desfrutar da capilaridade e força da estrutura de distribuição de benesses comandada pelo Executivo.
Para os candidatos que ainda estão aí, e correndo para ocupar um lugar privilegiado no chamado “centro” do espectro (a categorização é complicada, reconheço, devido à maçaroca ideológica brasileira), o desafio é severo. Esses candidatos têm de se apresentar como algo “novo”, algo “longe do que está aí”, sabendo perfeitamente que terão de jogar pelas regras do sistema velho e terão de governar pelo já exaurido modo brasileiro de presidencialismo de coalizão.
Pior ainda: quem atropelou por fora o sistema político, os articuladores e condutores da Lava Jato, incluindo braços no STF, detêm hoje um poder extraordinário que é o de determinar o que pode ou não no sistema, por meio do controle que de fato exercem sobre os principais personagens políticos (se necessário for, alterando a Constituição). No momento a política no Brasil ocupa-se sobretudo com corrupção, com destaque também para a segurança pública, e os árbitros que conduzem o tema estão fora do sistema – que julgam poder “sanear” pela lavagem de seus elementos corruptos. Já é, para todos os efeitos, um “Poder Moderador” exercido recentemente apenas pelos militares, que julgavam saber o que era melhor para a política (ironicamente, imbuídos de similar viés redentor – sim, os militares exerciam o poder para si, vamos ver como fica com os condutores da Lava Jato).
A forma como a política é praticada no País, porém, continua a mesma, agravada pela excepcional desconfiança das pessoas em relação à sua capacidade de resolver problemas. Com o que se desenha o grande cenário abrangente para as próximas eleições: um público indignado, clamando por algo “novo”, que terá de decidir por candidaturas que só prosperam dentro do arcabouço do “velho”, todos conduzidos por uma campanha anticorrupção de grande apelo popular – esta sim, a verdadeira “outsider” na campanha eleitoral. Nós, brasileiros, criamos mais um paradoxo: queremos o “novo” mantendo o “velho”.
Nós, brasileiros, criamos mais um paradoxo: queremos o ‘novo’ mantendo o ‘velho’