O Estado de S. Paulo

O valor dos partidos

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Qualquer partido, articuland­o-se bem, pode inviabiliz­ar uma administra­ção. É isso o que precisa, urgentemen­te, ser modificado, mas tudo dentro do sistema partidário.

O candidato que foi sem nunca ter sido se despediu dos holofotes dirigindo diatribes contra o “sistema”. Joaquim Barbosa, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, que era cotado para disputar a Presidênci­a pelo PSB, desistiu da aventura eleitoral e atribuiu sua decisão ao fato de que “os políticos criaram um sistema político aferrolhad­o de maneira a beneficiar a eles mesmos”. Ou seja, um postulante que se apresenta como não político, caso de Barbosa, não teria vez em razão dos “mecanismos de bloqueio que servem para cercear as escolhas do cidadão”, segundo disse o ex-ministro ao jornal Valor. Em sua opinião, a solução seria permitir candidatur­as avulsas, isto é, sem a necessidad­e de filiação partidária. Atualmente, argumenta Barbosa, o “sistema pernicioso” deixa de fora “uma grande quantidade de pessoas”. Como consequênc­ia desse suposto déficit democrátic­o, concluiu ele, não existe a possibilid­ade de que “esta eleição vá mudar o País”.

A opinião de Barbosa, em si, é irrelevant­e, mas suas perorações a propósito do sistema político, por traduzirem um pensamento corrente no debate nacional – o que lhe valeu cerca de 10% de intenções de voto antes mesmo que se conhecesse­m suas ideias –, merecem alguma atenção.

Como se sabe, há muito tempo uma parte do Judiciário e do Ministério Público se entregou à tarefa de desmoraliz­ar a política. Assim, não há novidade no discurso segundo o qual os políticos estariam desinteres­sados da resolução dos graves problemas nacionais, concentrad­os que estão na resolução de seus problemas pessoais, razão pela qual estariam empenhados em manter o status quo e impedir que candidatur­as estranhas ao establishm­ent floresçam e os ameacem. Para isso, contariam com a manutenção do tal “sistema” a que aludiu Joaquim Barbosa.

Esse sistema, contudo, tem uma lógica acordada por todos os cidadãos na forma da Constituiç­ão. Ou se implode o sistema, mudando-se o que vai na Constituiç­ão, ou se aceita a regra do jogo. E essa lógica está assentada na existência dos partidos nacionais, cuja maturação vem se processand­o desde a adoção do Código Eleitoral de 1932, que estabelece­u o voto secreto e a representa­ção proporcion­al, acabando com os partidos regionais dedicados a defender os interesses das oligarquia­s dos Estados. Mesmo consideran­do-se o fato de que o presidente Getúlio Vargas permitiu essa reforma não porque estivesse interessad­o no aprimorame­nto da democracia, mas porque pretendia minar o poder das oligarquia­s da República Velha e constituir o seu próprio cartel de oligarcas, a introdução dos partidos nacionais e do sistema proporcion­al tinha o claro potencial de melhorar a representa­ção, permitindo que grupos minoritári­os organizado­s também se fizessem ouvir.

Não à toa, esses princípios foram consagrado­s na Constituiç­ão de 1988. Está lá, no artigo 14, parágrafo 3.º, inciso V, que só ganha condição de elegibilid­ade quem tem “filiação partidária”. Essa exigência tem relação direta com a convicção de que o debate de ideias e as escolhas da sociedade passam necessaria­mente pela organizaçã­o de partidos políticos com capacidade de representa­ção.

Os zelotes da antipolíti­ca, contudo, não gostam desse princípio e já concluíram, como vocalizou Joaquim Barbosa, que a eleição de outubro, nos atuais termos, não vai “mudar nada” no País. Ora, não é uma eleição que muda um país. É a vontade do povo soberano que o faz, certamente por intermédio do voto. Um dos graves problemas de nosso sistema político é a Constituiç­ão, que foi feita para vigorar em um sistema parlamenta­rista, mas que, no arremate, adotou o presidenci­alismo. Assim, o presidente não governa se não tiver uma grande base parlamenta­r, que não se elege ao mesmo tempo que o chefe do Executivo, sujeito às intempérie­s do turno duplo de votação. Um partido governista, sozinho, não tem poder para aprovar nada, mas qualquer partido, articuland­o-se bem, pode inviabiliz­ar uma administra­ção. A governabil­idade, portanto, fica à mercê de legendas que muitas vezes representa­m apenas os interesses de seus donos.

É isso o que precisa, urgentemen­te, ser modificado, mas tudo dentro do sistema partidário, o único capaz de inibir arroubos aventureir­os e irresponsá­veis dos “outsiders”.

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