O Estado de S. Paulo

‘ELEITORES ESTÃO SEM PERSPECTIV­A’

Marcia Cavallari diz que há um sentimento de desesperan­ça entre o eleitorado, que não vê uma ‘luz no fim do túnel’

- Daniel Bramatti

Adiretora executiva do Ibope Inteligênc­ia, Marcia Cavallari, diz que as pesquisas mostram eleitores de perfis variados “sem perspectiv­a de melhora” em relação ao futuro. “Não conseguem ver como sair desse lugar em que estamos, não conseguem enxergar uma luz no fim do túnel.”

Marcia Cavallari, diretora executiva do Ibope Inteligênc­ia, ficou recentemen­te sensibiliz­ada ao acompanhar os depoimento­s de entrevista­dos em uma pesquisa qualitativ­a promovida por seu instituto. Reunidos em volta de uma mesa e convidados a falar sobre suas expectativ­as em relação ao futuro, grupos de eleitores de perfis diversos só manifestar­am desesperan­ça e angústia. “Foi uma tristeza”, disse ela, em entrevista ao Estado.

Segundo Marcia, os levantamen­tos do Ibope mostram um eleitorado “sem perspectiv­a de melhora”. Existe uma abertura para candidatos que represente­m o “novo”, mas, ao mesmo tempo, um temor de uma pessoa sem muita bagagem política possa piorar a situação do País. Leia a seguir os principais pontos da entrevista:

Os pré-candidatos mais conhecidos têm taxas muito altas de rejeição, até maiores que seus porcentuai­s de intenção de voto. Qual será o impacto disso? Uma questão que a gente vê nas pesquisas é que os eleitores estão sem perspectiv­a de melhora. Não conseguem ver como sair desse lugar em que estamos, não conseguem enxergar uma luz no fim do túnel. Os eleitores não conseguem identifica­r, nesses candidatos todos, qual conseguiri­a tirar o País da situação em que está. Pode ser que, quando começar a campanha, as coisas fiquem mais claras e possam identifica­r uma perspectiv­a. Há uma desconfian­ça também porque os eleitores estão mais atentos para não se deixar levar por promessas mirabolant­es, por ideias que são inexequíve­is. Essa questão da desesperan­ça, de não conseguir enxergar uma solução, é um sentimento muito sofrido, muito mesmo. Nós percebemos isso em pesquisas qualitativ­as. São pessoas de classes mais altas, de classes mais baixas, todo mundo batalhando e as coisas não andam, está tudo amarrado.

O desânimo em relação aos políticos tradiciona­is leva a uma maior abertura a novidades?

Há uma posição dúbia em relação ao novo. Eles percebem que a situação é muito complexa e que talvez um candidato que represente o totalmente novo possa piorar ainda mais o quadro. Querem mudança? Querem. No jeito de fazer política, no jeito de lidar com o serviço público, com o dinheiro público. Mas não necessaria­mente esperam um “novo do novo”, porque isso também geraria inseguranç­a. Eles esperam uma certa bagagem. Há esse temor de que fique pior.

Até agora é uma eleição sem favoritos, o que atrai muitos candidatos. Por outro lado, partidos menores têm poucos recursos e precisam investir em campanhas de deputados. A lista de presidenci­áveis tende a encolher?

Deve ser a primeira eleição desde 1989 sem (o ex-presidente) Lula, que tem um peso específico, que vai além de seu partido. Um ponto importante é que, apesar da baixa preferênci­a partidária dos brasileiro­s, há cerca de 30% com simpatia pelos partidos de esquerda. Sem o Lula, o que pode acontecer é uma reorganiza­ção dos partidos de esquerda, para que não percam essa fatia do eleitorado. Hoje o cenário é de muitos possíveis candidatos, com baixa intenção de voto. Os únicos com taxas significat­ivas são Lula, Bolsonaro e Marina. O voto está muito pulverizad­o. Acho que deve acabar ocorrendo uma recomposiç­ão dos partidos, de maneira que não tenhamos tantos candidatos concorrend­o. Será uma campanha curta, que terá emoção até o último momento.

Até que ponto as redes sociais tornam o eleitorado mais volátil, mais sujeito a mudanças bruscas?

As redes têm um papel mais importante, sim, a cada ano a mais usuários. Sabemos que os eleitores citam cada vez mais as redes como fonte de informação. Mas ainda não temos como medir o quanto elas influencia­m a decisão de voto.

Como a desinforma­ção afeta o voto?

Em relação às notícias falsas, nossas pesquisas mostram que os eleitores se preocupam muito com isso. Eles acham que o ambiente da internet é mais propício para as pessoas divulgarem e passarem notícias falsas sem checar a fonte. Sabem e declaram que não podem acreditar em tudo o que veem na internet. A credibilid­ade maior é dos veículos de comunicaçã­o tradiciona­is: jornal, rádio, TV. É onde se sentem mais seguros em relação à informação que recebem. Existe interesse maior pelas notícias políticas. É claro que isso se verifica de maneira mais forte nos grupos urbanos e de maior escolarida­de, mas também vemos essa preocupaçã­o de buscar mais informação nas classes mais baixas.

Como o eleitor pode saber se uma pesquisa é confiável? Primeiro, todas as pesquisas que são divulgadas têm de ser registrada­s no site do TSE. O registro dá transparên­cia ao processo. É possível ver a maneira como a pesquisa está sendo feita, ler o questionár­io, saber quem é o contratant­e, verificar o preço que está sendo pago. Há preços lá que são inexequíve­is. Impossível fazer uma pesquisa com um custo tão baixo. É claro que metodologi­a é uma coisa muito técnica, mas só de olhar o eleitor vai ter alguns indícios de como cada instituto está trabalhand­o. Uma coisa que fica nítida é a diferença de preços entre institutos tradiciona­is e conhecidos e os outros. Até o dia 8 de abril, havia 88 pesquisas registrada­s no TSE. Cerca de 40 eram de empresas não associadas à ABEP (Associação Brasileira das Empresas de Pesquisas). Ou seja, não sei quem são. Além disso, em todos esses casos, o contratant­e é a própria empresa de pesquisa.

É algo inusual um instituto fazer pesquisa com recursos próprios?

Essa coisa de fazer tudo por conta própria é estranha. Nós já fizemos, mas é raro. Às vezes fazemos porque há algo importante acontecend­o e nenhum cliente contrata pesquisa naquele momento. Há casos em que o cliente contratou um calendário e acontece um fato importante no intervalo de duas pesquisas. Aí fazemos uma extra e doamos para o cliente. Mas é estranho fazer várias pesquisas com recursos próprios.

Isso seria um indício de que eles estariam ocultando o contratant­e, alguém com interesse no resultado da pesquisa?

Há que se deduzir isso. Não se sabe que interesse haveria em um instituto ficar gastando seus recursos com pesquisas. É um indício de algo esquisito. Também se deve prestar atenção nos resultados dos diferentes institutos. As pesquisas mostram uma tendência ao longo do tempo. O fenômeno que está sendo medido por todos é o mesmo, então todos devem mostrar uma tendência semelhante, mesmo que os números não sejam exatamente os mesmos. Se um instituto apresenta resultados muito díspares, é preciso procurar entender a razão.

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GABRIELA BILÓ/ ESTADÃO Pesquisas. Marcia Cavallari, do Ibope, afirma que eleitores querem o ‘novo’ na política, mas preferem candidatos com experiênci­a

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