Enxugando gelo
Regimes especiais de aposentadoria aumentam a pressão sobre gastos com inativos e complicam as finanças dos Estados.
Os governos dos Estados conseguiram reduzir os gastos com o funcionalismo da ativa no ano passado, o que mostra que houve esforço dos gestores das finanças estaduais para enfrentar a crise fiscal que afetou todos os entes públicos. A queda foi modesta, de 1,2% em valores reais, mas é relevante, pois se trata de um resultado poucas vezes registrado na administração pública, marcada por crescimento constante da despesa com o funcionalismo. Nem mesmo cortando gastos com os funcionários da ativa – o que, dadas as regras que normalmente balizam o trabalho no setor público, implicou redução do número de servidores –, porém, as despesas totais com pessoal diminuíram. Ao contrário, no ano passado, apesar de todo o esforço de contenção de gastos, as despesas com pessoal aumentaram 2,3% em termos reais. Isso ocorreu porque os dispêndios com inativos aumentaram 8,5%.
Esses números foram mostrados em reportagem do Estado e constam do estudo Finanças Públicas Estaduais que faz parte da Carta de Conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) relativa ao segundo trimestre de 2018. Eles deixam claro que, mesmo reduzindo o número de servidores ativos, o que decerto afetou a qualidade do serviço prestado à sociedade e resultou em algum prejuízo político para os governantes, as despesas com pessoal aumentaram. É como se, por maiores que tenham sido os esforços dos gestores dos recursos dos contribuintes, eles estivessem enxugando gelo. Se ainda faltava alguma, esta é mais uma clara demonstração de que, sem profundas reformas, o sistema de previdência não poderá ser sustentado no futuro.
Dados como os citados acima mostram a tragédia financeira em que se transformou o sistema de previdência do setor público. No caso do regime administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e que atende os empregados das empresas privadas, a acelerada evolução de seu déficit, mensalmente comprovada pelos resultados das contas públicas, comprova a urgência de uma profunda reforma das regras de concessões de aposentadorias e pensões.
Estudos anteriores publicados pelo Ipea mostraram que a tendência dos gastos com pessoal ativo e inativo dos Estados mudou nos últimos anos. Até 2014, os Estados vinham concedendo fortes aumentos salariais, ao mesmo tempo que persistia o rápido crescimento do número de inativos, fenômeno observado desde cerca de 2005. A queda da arrecadação, já notável em 2015, forçou os Estados a tomarem medidas de prudência. Mas as providências para a contenção de despesas com a folha se restringem ao pessoal ativo, por meio da interrupção de contratações ou redução real dos reajustes anuais. O setor público não pode deixar de pagar os benefícios dos inativos e daqueles que adquiriram o direito de deixar o serviço ativo com a preservação de seus vencimentos.
Regimes especiais de aposentadoria, como os referentes aos policiais civis e militares e aos professores, aumentam a pressão sobre os gastos com inativos, o que torna mais complicada a gestão das finanças dos Estados. Mesmo com o crescimento real da arrecadação, como o registrado no ano passado – a receita com o ICMS, principal tributo estadual, cresceu 3%, segundo o Ipea –, outras políticas públicas dos Estados são afetadas. O ajuste financeiro acaba recaindo especialmente sobre os investimentos. É o primeiro item do orçamento sobre o qual o gestor público tem autonomia para cortar e, por isso, é o primeiro a ser reduzido. Por algum tempo, parte dos investimentos dos Estados pode ser feita com recursos tomados emprestados. Mas com o virtual desaparecimento de fontes de financiamento para o setor público e a quebra da arrecadação em decorrência da crise econômica iniciada em 2014, os investimentos caíram substancialmente. O total diminuiu de R$ 67,7 bilhões em 2014 para R$ 32,3 bilhões no ano passado, uma redução de mais de 50% em valores reais. Mesmo assim, alguns Estados tiveram de atrasar salários.