O Estado de S. Paulo

Enem sem terrorismo

- MARIA INÊS FINI PRESIDENTE DO INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONA­IS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP)

Muito se especula sobre o destino do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) a partir da reforma do ensino médio e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nenhum dos “palpiteiro­s de plantão”, entretanto, considerou consultar o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is Anísio Teixeira (Inep), autarquia do Ministério da Educação (MEC) responsáve­l pelo exame.

Enquanto isso, nossos pesquisado­res acompanham as mudanças estruturai­s das políticas educaciona­is e pensam, com muita competênci­a técnica, propostas de novos constructo­s para os exames e avaliações da educação básica sob sua responsabi­lidade: o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), o Exame Nacional para Certificaç­ão de Competênci­as de Jovens e Adultos (Encceja) e o próprio Enem. Tudo, é claro, a ser validado pelo Conselho Nacional de Secretário­s de Educação (Consed) e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), órgãos representa­tivos dos gestores das redes de educação básica do País.

O Enem nasceu em 1998, já estruturad­o num conceito mais abrangente de aprendizag­em e desenvolvi­mento. Tais ideias eram fruto das reflexões de educadores do mundo todo na década de 1980, referendad­as por quase 200 países signatário­s da Declaração de Jomtien. Embora presente em inúmeras iniciativa­s oficiais nessa época, só agora o Brasil sinaliza com mais ênfase para essa concepção, por meio da BNCC. E o faz a partir da estruturaç­ão de uma referência nacional para as propostas pedagógica­s das escolas de educação básica, definindo que os currículos sejam organizado­s com indicação clara dos objetos de conhecimen­to (conteúdos), competênci­as e habilidade­s (estruturas e processos cognitivos), atitudes e valores.

Ficam para trás as listas de conteúdos exigidos de forma exaustiva em concursos vestibular­es. Essa concepção mais abrangente de aprendizag­em e desenvolvi­mento, já consagrada na BNCC da educação infantil e do ensino fundamenta­l, torna mais evidente a necessidad­e de uma nova compreensã­o das formas de ensinar e aprender e, consequent­emente, de avaliar.

Desde sua origem, o Enem já seguia essa orientação e buscava avaliar o perfil geral do jovem ao término da escolarida­de básica, verificand­o o domínio dos princípios científico­s, sociológic­os e tecnológic­os da vida moderna, como prescritos na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996. As tarefas propostas na prova eram guiadas por uma matriz de referência, com a indicação de cinco competênci­as gerais e 21 habilidade­s específica­s. Apesar de não fazer uma varredura dos conteúdos das disciplina­s do ensino médio, sua organizaçã­o em torno de situações-problema, interdisci­plinaridad­e, contextual­ização e uma redação com critérios bem definidos de correção (expressos por meio da indicação de competênci­as e habilidade­s a eles associados) evidenciav­a a valorizaçã­o de processos mentais. Assim, o Enem ganhou, gradativam­ente, adeptos entre educadores e instituiçõ­es educaciona­is, e até mesmo entre aqueles que dele participav­am. Em 2002 quase 500 Instituiçõ­es de Educação Superior já utilizavam seus resultados, como exame de primeira fase de seleção para acesso ao ensino superior ou compondo parte das notas totais do vestibular.

Em 2009 o Enem tornou-se referência obrigatóri­a para o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), valendo também para o Programa Universida­de para Todos (ProUni) e para o Fundo de Financiame­nto Estudantil (Fies). Para isso passou a usar como referência para a elaboração das provas parte das matrizes criadas em 2000 para o Encceja, uma contribuiç­ão do MEC às Secretaria­s de Educação estaduais e municipais para certificaç­ão de ensino fundamenta­l e médio. O Enem passou, então, a ser organizado em quatro áreas de conhecimen­to, a partir da identifica­ção de competênci­as gerais e habilidade­s específica­s. A elas foi acrescida uma lista de conteúdos por disciplina e uma redação com os mesmos critérios de correção do exame original. Desde então, esse conjunto de referência­s passou a ser a base de todas as questões das últimas edições.

Em 2018 as equipes técnicas do Inep estudam os normativos já homologado­s da BNCC da educação básica e da reforma do ensino médio, enquanto acompanham a discussão da BNCC do ensino médio. E estão certas de que a organizaçã­o em competênci­as e habilidade­s permanecer­á e deverá orientar as propostas curricular­es de todas as escolas brasileira­s. Essa organizaçã­o vai também permitir que a formação de professore­s, o material didático, os projetos pedagógico­s das escolas e a prática tanto de ensino quanto de avaliação superem a velha crença de que informação é conhecimen­to e de que memória é inteligênc­ia. Sem a mediação dos processos cognitivos e socioemoci­onais, conhecimen­tos que são da ordem de desenvolvi­mento dos alunos não serão constituíd­os.

Se a BNCC, como organizada, é a referência para a elaboração das propostas curricular­es nacionais, certamente ela será a base para os ajustes das matrizes dos exames e das avaliações da educação básica em larga escala sob responsabi­lidade do Inep, até para que se pratique justiça, pois no âmbito daquilo que é avaliado está implícito o que deveria ter sido ensinado.

Acalmem-se, então, os “alarmistas de plantão”. O Inep trabalha com muita responsabi­lidade para alinhar suas matrizes de avaliação e exames da educação básica, tendo como referência a BNCC, o que será feito com competênci­a técnica e muita transparên­cia. No que se refere ao Enem, esse processo será conduzido com todo o cuidado e responsabi­lidade para que os jovens brasileiro­s não percam nenhuma das vantagens associadas aos seus resultados, sejam o Sisu, o ProUni ou o Fies.

Ficam para trás as listas de conteúdos exigidos de forma exaustiva em concursos vestibular­es

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