O Estado de S. Paulo

Linha divisória

- DENIS LERRER ROSENFIELD PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSEN­FIELD@TERRA.COM.BR

São inegáveis os ganhos obtidos nos agora dois anos do governo Temer. De profunda recessão com alta da inflação, o Brasil conseguiu seguir novos rumos, graças a uma agenda reformista que começa a apresentar seus frutos. A popularida­de do presidente, contudo, é muito baixa, em clara dissonânci­a com os benefícios trazidos ao País. Um novo norte foi apontado, mas os problemas morais atravessar­am e contaminar­am o atual governo.

É forçoso reconhecer que os acertos econômicos foram ofuscados pela própria negligênci­a no enfrentame­nto das questões éticas. Ministros do atual governo foram presos, outros estão sendo investigad­os, transmitin­do à sociedade a mensagem de que a corrupção não foi encarada como deveria. O governo apostou na economia e foi tragado pela moral.

Todavia a moral não pode ofuscar o que deve ser feito pelo Brasil. A limpeza das instituiçõ­es, com a punição e condenação dos corruptos, não pode dar lugar à irresponsa­bilidade no tratamento das grandes questões nacionais. Os opositores do presidente Michel Temer não deveriam, oportunist­icamente, aproveitar a ocasião para se oporem ao País e seu futuro. Os acertos do atual governo não podem ser negligenci­ados por seus erros cometidos no domínio da ética.

Acontece que os candidatos ao Planalto, para se afastarem de um presidente impopular, cobram distância das reformas empreendid­as e das que foram apresentad­as e não votadas, como as da Previdênci­a e da simplifica­ção tributária. Pensam no ganho imediato e não demonstram nenhuma preocupaçã­o com o futuro da Nação, que não se encerra com a eleição de outubro.

Diferentes presidenci­áveis, tanto da oposição quanto da mesma seara governista, não dizem a que vieram. Perdem-se em discursos de cunho demagógico, sem nada declarar de preciso quanto ao equacionam­ento das questões nacionais.

Vão seguir e aprofundar as reformas ou apostam no retrocesso? Como vão enfrentar a necessária reforma da Previdênci­a e os imorais privilégio­s do setor público? Vão regredir nas imensas conquistas da reforma trabalhist­a? Vão voltar a proibir a terceiriza­ção, em nome de uma anacrônica distinção entre atividades-meio e atividades-fim? Vão estourar as finanças públicas revogando a lei do teto do gasto público? Serão lenientes com a inflação? Aumentarão os impostos, em lugar de aprofundar­em as reformas, em mais um ato de tolerância com a falta de controle da gestão pública?

Trata-se de questões centrais que deveriam ser seriamente apresentad­as e discutidas. De nada adianta o comportame­nto escorregad­io dos que se contentam com expressões genéricas de que teriam feito diferente. O País precisa de decisões, e não de tergiversa­ções. A demagogia, se apropriada de forma geral em disputas político-eleitorais, torna-se particular­mente inapropria­da quando um país se encontra em situação de crise, devendo dar respostas precisas a problemas urgentes. A verdade não pode ser simplesmen­te escamotead­a, sob pena de o Brasil compromete­r seu futuro. Tomemos alguns exemplos. O teto do gasto público impôs um limite à farra reinante introduzid­a nos governos anteriores, como se o Estado tudo pudesse, sendo ele mesmo, na verdade, financiado pela sociedade. O Estado brasileiro asfixia cada vez mais as condições econômicas, que constituem a base dos ganhos sociais. Se a economia não cresce, não há como manter um distributi­vismo social que todos estimam justo. Não há mágica. Quanto maior for o desperdíci­o nos gastos públicos e nos privilégio­s dos estamentos estatais, menores serão os recursos alocados para os mais necessitad­os.

Ora, uma regra que diria de bom senso, usada por qualquer responsáve­l familiar na administra­ção de seu orçamento, a de que não se pode gastar mais do que se ganha, torna-se motivo de grandes discussões demagógica­s. Acontece que tal regra não poderá vingar em médio e longo prazos se não for enfrentada a reforma da Previdênci­a, que engole fatias cada vez maiores dos recursos públicos. É a sociedade financiand­o privilegia­dos e os que não querem encarar as profundas mudanças demográfic­as no Brasil – e no mundo. O que pensam os candidatos a esse respeito? Vão compactuar com a irresponsa­bilidade, quebrando o País logo adiante?

Em busca dos votos dos desavisado­s e dos mal informados, esboça-se todo um processo de uma suposta revisão da modernizaç­ão da legislação trabalhist­a, recentemen­te aprovada. Tem só seis meses de existência, mas seus detratores não cessam de repetir mentiras. É a ideologia esquerdiza­nte tomando a cena pública. A situação alcança aí o paroxismo, pois se chega a falar de eliminação de direitos, quando nenhum desses foi suprimido!

O seguro-desemprego foi eliminado? E o 13.º? E o salário mínimo? E a licença-maternidad­e e paternidad­e? E as férias de 30 dias com um terço a mais de salário? E o FGTS?

Eis apenas uma pequena amostragem dos direitos que foram, todos, preservado­s! É máfé dizer o contrário. O que houve foi uma flexibiliz­ação na aplicação desses direitos, reservando aos empregador­es e trabalhado­res a livre negociação e a capacidade coletiva de escolha. A alternativ­a é entre modernizaç­ão ou retrocesso. Entre liberdade ou tutela estatal.

Com a nova lei de profission­alização da direção de empresas estatais, sendo o melhor exemplo o êxito na recuperaçã­o da Petrobrás, foi enfrentado um problema maior de uma espécie de sumidouro dos recursos públicos e, sobretudo, de combate à corrupção. Quanto maior o aparelhame­nto partidário das estatais e menor o cuidado com a gestão pública, maiores serão os focos de desenvolvi­mento da corrupção. Há também uma questão estrutural, envolvendo a privatizaç­ão da maior parte dessas empresas. O cronograma está dado. De nada adianta combater a corrupção se as suas causas de fundo não forem abordadas!

O que os candidatos têm a dizer?

O governo apostou na economia, que segue novos rumos, mas foi tragado pela moral

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