O Estado de S. Paulo

Virulência persistent­e

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Se os gastos com o sistema previdenci­ário tivessem acompanhad­o o ritmo da evolução da economia nos últimos 30 anos, a crise fiscal do País não teria alcançado as dimensões dramáticas que apresenta. Excluídas as despesas com aposentado­rias e pensões, os gastos primários do setor público – isto é, todos os gastos destinados a políticas públicas e ao custeio da máquina, descontado­s os custos da dívida – teriam crescido praticamen­te na mesma proporção que o Produto Interno Bruto (PIB) desde 1987. Quando acrescenta­das as despesas com a Previdênci­a, porém, os gastos primários passam a representa­r fatias cada vez maiores do PIB, numa evolução que, se não contida, poderá compromete­r todo o orçamento público e a capacidade contributi­va da sociedade. Contra o equilíbrio das finanças públicas, a virulência dessas despesas tem sido persistent­e.

Levantamen­to do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) feito a pedido do Estadão/Broadcast deixa claro o papel que os benefícios previdenci­ários tiveram no aumento do custo do setor público no agravament­o da crise.

Sem o cômputo dos benefícios previdenci­ários, a despesa primária permaneceu praticamen­te estável como proporção do PIB. Correspond­ia a 10,4% em 1987, um ano antes da aprovação da Constituiç­ão, e teria chegado a 10,6% em 2016, último ano para o qual há dados comparávei­s com os do período anterior. Para evitar distorções decorrente­s da variação do ritmo de evolução do PIB – nos últimos anos, a economia brasileira passou por profunda recessão –, a pesquisa trabalhou com o conceito de PIB potencial, que afere a capacidade máxima de cresciment­o da atividade econômica sem gerar desequilíb­rios.

Consideran­do-se os gastos com o sistema previdenci­ário, porém, a evolução das despesas primárias como proporção do PIB é notável. No período considerad­o, elas passam de 12,9% para 18,1% do PIB. Isso quer dizer que, num período de 30 anos, o custo do regime previdenci­ário em vigor após a aprovação da atual Constituiç­ão Federal aumentou o equivalent­e a 5,2% do PIB. É importante ressaltar que esse número indica não o custo total dos benefícios previdenci­ários, mas o seu aumento entre 1987 e 2016.

Trata-se de um período durante o qual o Brasil enfrentou crises econômicas muito graves, como a hiperinfla­ção, as consequênc­ias de políticas anti-inflacioná­rias irresponsá­veis que agravaram os problemas que diziam combater, o desequilíb­rio das finanças dos Estados e a quebra dos bancos por eles mantidos. Felizmente, ao êxito do Plano Real, de julho de 1994, seguiram-se mudanças muito positivas para a reorganiza­ção das finanças públicas, como a extinção do sistema de bancos públicos e, sobretudo, a aprovação da Lei de Responsabi­lidade Fiscal (Lei Complement­ar n.º 101, de 4 de maio de 2000). Práticas nocivas à austeridad­e financeira no setor público foram eliminadas com a extinção dos bancos estaduais e outras usuais no regime fiscal anterior passaram a ser severament­e combatidas pela nova legislação.

Mesmo assim, as despesas primárias totais, como mostrou o levantamen­to do IbreFGV, continuara­m a evoluir de maneira preocupant­e em razão da falta de regras mais austeras para a contenção do aumento do custo do sistema previdenci­ário. Boa parte dessa evolução decorreu dos critérios de acesso aos benefícios criados pela Constituiç­ão Federal. Outra se deveu à política de aumento real do salário mínimo – que baliza os benefícios previdenci­ários – iniciada em 1995. Controlar o valor real do salário mínimo, a despeito do custo político que isso implica, resolve parte do problema. A outra só será resolvida por meio de mudanças das regras de concessão dos benefícios, o que exige a reforma previdenci­ária.

O governo de Michel Temer desistiu do projeto dessa reforma, mas seu sucessor terá de retomá-lo tão logo tome posse, se estiver genuinamen­te disposto a recuperar a capacidade de investimen­to do setor público.

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