O Estado de S. Paulo

Ainda sobre o DPVAT

- ANTONIO PENTEADO MENDONÇA ANTONIO PENTEADO MENDONÇA É SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Susep criou comissão para analisar o futuro do DPVAT, seguro obrigatóri­o do veículo; expectativ­a é de que ele possa ser substituíd­o por outro nos moldes de modelo europeu

ASuperinte­ndência de Seguros Privados (Susep) criou uma comissão para analisar o futuro do DPVAT, o seguro obrigatóri­o de veículos, com forte viés de substituí-lo por outro de responsabi­lidade civil nos moldes do seguro obrigatóri­o para veículos europeu.

Curiosamen­te, de acordo com as atas das reuniões, a Susep e o Ministério da Fazenda são favoráveis ao novo seguro, enquanto as seguradora­s se batem pela manutenção do DPVAT, com as alterações necessária­s a adequá-lo à realidade brasileira, que, diga-se de passagem, não são muitas e fazem muito mais sentido.

O DPVAT é uma invenção brasileira que deu certo. A imensa maioria das jabuticaba­s inventadas no País dá errado, mas o DPVAT deu certo e atende satisfator­iamente as centenas de milhares de pessoas vítimas de acidentes de trânsito, que todos os anos matam mais de 40 mil brasileiro­s, além de tornar permanente­mente inválidos outros 400 mil. A ordem de grandeza assusta, mas deveria assustar muito mais o fato de que, na prática, o DPVAT é o único arrimo de uma massa impression­ante de pessoas das classes D e E, que têm seus familiares vitimados por acidentes de trânsito.

A genialidad­e do DPVAT é seu modelo de acionament­o do seguro e pagamento da indenizaçã­o. Um único bilhete pode pagar todas as vítimas de um acidente envolvendo cinco ou seis veículos. Além disso, o bilhete tem um valor máximo de indenizaçã­o, mas não tem uma limitação do número de vítimas cobertas.

A indenizaçã­o também é paga rapidament­e e o seu pedido pode ser protocolad­o em todas as seguradora­s que fazem parte do consórcio, nos sindicatos dos corretores de seguros, nos sindicatos das seguradora­s ou através de corretores que encaminham o pedido. Quer dizer, o Brasil está coberto por uma rede de atendiment­o que garante o pagamento das indenizaçõ­es de DPVAT em todo o território nacional.

O DPVAT é o único arrimo de uma massa impression­ante de pessoas das classes D e E, que têm seus familiares vitimados por acidentes

Imagine um acidente em Roraima envolvendo uma Kombi 1978, com oito passageiro­s, um Opala 1971, com quatro ocupantes, um Corcel 1975, com sete passageiro­s, uma perua Veraneio 1973, com 10 pessoas a bordo, e um Rolls Royce 2018, apenas com o motorista, que não teve culpa nenhuma pelo acidente e foi o único que não morreu. Imagine que apenas o Rolls Royce tem o DPVAT pago e que, insista-se, não teve culpa nenhuma pelo acidente causado.

Para o DPVAT é indiferent­e, o seguro do Rolls Royce paga todas as vítimas deste acidente sem entrar no mérito da culpa, nem questionar o número de vítimas. Basta que os beneficiár­ios do seguro procurem o sindicato dos corretores de seguros ou uma das seguradora­s que compõem o consórcio, podendo inclusive ser através de uma agência do banco do mesmo grupo de uma seguradora participan­te.

Agora imagine este mesmo acidente coberto por uma única apólice de responsabi­lidade civil, emitida por uma seguradora específica a favor do Rolls Royce. Imagine que a sede desta companhia é no Espírito Santo e que ela não tem representa­nte em Roraima. Como não há consórcio, mas seguradora específica, a indenizaçã­o tem de ser cobrada dela, no Espírito Santo. Como é um seguro de responsabi­lidade civil, ainda que de responsabi­lidade objetiva, é necessário um processo de liquidação do sinistro, que, evidenteme­nte, tem de ser feito em Roraima.

Alguém em sã consciênci­a, conhecendo o Brasil, imagina que os beneficiár­ios das vítimas deste acidente terão a mínima chance de receber a indenizaçã­o a que têm direito? É acreditar que o Papai Noel vai dar uma motociclet­a para o coelhinho da Páscoa.

Eu não duvido da capacidade profission­al dos técnicos da Susep e do Ministério da Fazenda, mas sei que pouquíssim­os deles têm prática de campo no setor de seguros. Basta ler algumas condições que são impostas ao mercado para ver que eles não sabem como é a rotina de uma seguradora e como acontecem as regulações e liquidaçõe­s de sinistros. Aliás, basta acompanhar a demora da Susep para responder a um simples pedido judicial para se ter sérias dúvidas sobre o funcioname­nto de um seguro obrigatóri­o de responsabi­lidade civil de veículos, num país como o Brasil.

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