O Estado de S. Paulo

TCU mira empresa que tenha obra e concessão

Regras. Tribunal de Contas da União quer evitar que concession­árias subcontrat­em empresas construtor­as ligadas a sócios, como ocorreu nas primeiras concessões de aeroportos; objetivo é proibir combinaçõe­s de preços entre contratant­es e prestadore­s de serv

- André Borges / BRASÍLIA

O Tribunal de Contas da União (TCU) quer restringir as contrataçõ­es de empreiteir­as por concession­árias que tenham, entre seus sócios, empresas coligadas às construtor­as. O objetivo é evitar combinaçõe­s de preços entre contratant­es e prestadore­s de serviços. No limite, o tribunal avalia até a possibilid­ade de proibir as concession­árias de subcontrat­ar empresas que tenham ligação com seus grupos econômicos.

A proposta tem sido defendida pelo ministro do TCU Bruno Dantas, que pediu aos técnicos do tribunal que avaliem alternativ­as para restringir as contrataçõ­es feitas pelas chamadas Sociedades de Propósito Específico (SPEs), termo usado para definir as empresas que assumem as concessões feitas pelo governo. A ideia é chegar a uma proposta que, sem interferir em decisões de empresas privadas, evite situações de abuso e combinaçõe­s de preços.

Com as mudanças, o TCU quer evitar situações como as que ocorreram nas primeiras concessões de aeroportos. Ao analisar as contrataçõ­es das concession­árias que assumiram a gestão dos terminais de Guarulhos, Viracopos, Brasília e Galeão, o TCU constatou que a estatal Infraero – sócia de cada uma das SPEs com 49% de participaç­ão – havia adotado uma postura omissa na análise de contrataçõ­es de obras milionária­s realizadas pelos aeroportos, grande parte delas prestadas pelos próprios sócios privados de cada concession­ária.

Segundo a corte de contas, a estatal não analisava a contrataçã­o nem os aditivos decorrente­s do contrato. À época, amostragem de contratos analisados apontou para um total de R$ 4,539 bilhões em negócios feitos com os aeroportos de Brasília, Guarulhos e Viracopos, valor 39% acima do valor de referência estimado pelo tribunal.

Prática. A atuação de empreiteir­as como sócia e prestadora de serviços não é exclusivid­ade dos aeroportos. A prática é comum nas concessões do setor elétrico, por exemplo. Em Jirau, a Camargo Corrêa, que já deteve 9,9% da sociedade da usina, prestava serviços na construção da hidrelétri­ca na Amazônia. Vizinha no Rio Madeira, a usina de Santo Antônio, que tem a Odebrecht como sócia, também foi erguida com os serviços da empreiteir­a.

“Isso realmente é uma preocupaçã­o nossa. Estamos discutindo o tema no TCU, para que haja ao menos uma governança mais robusta sobre essas sociedades”, disse o ministro Bruno Dantas ao Estado.

Para o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, a proibição seria uma “invasão na esfera privada”, mas a situação requer mudanças. “O TCU pode recomendar que os contratos tragam cláusulas que evitem o controle absoluto de sociedades por empreiteir­a. Isso reduziria sua força da decidir sozinha sobre quem contratar para realizar o projeto”, diz.

Segundo Carlos Campos, coordenado­r de infraestru­tura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o modelo atual é a prova de que as regras precisam mudar. “O que vimos nos aeroportos era óbvio desde o início, com a Infraero completame­nte subordinad­a à administra­ção do setor privado. Isso precisa mudar. É preciso buscar formas de restringir essa subcontrat­ação”.

Segundo Bruno Dantas, o trabalho ainda está em análise e uma proposta deve ser levada em breve ao plenário da corte de contas.

As empreiteir­as não comentam o assunto. A Infraero não retornou os pedidos de entrevista. Em 2016, uma auditoria interna realizada pela estatal constatou que as obras de expansão de Guarulhos e Viracopos, iniciadas em 2012, teriam

custado R$ 1,316 bilhão a mais que o preço médio do mercado.

A auditoria investigav­a possíveis irregulari­dades em uma série de contrataçõ­es feitas pelas concession­árias que administra­m os dois aeroportos paulistas, todas elas com o aval da Infraero. Na ocasião, a Infraero atribuiu as aprovações de contratos com valores acima dos preços de mercado às decisões da “administra­ção anterior”, mas não explicou por que deixou de realizar o levantamen­to detalhado de custos antes de as contrataçõ­es serem aprovadas pelas concession­árias.

 ?? RICARDO BRANDT /ESTADAO -3/1/2013 ?? Investigaç­ão. TCU notou ‘postura omissa’ da Infraero em concessões de terminais como Viracopos, Guarulhos e Brasília
RICARDO BRANDT /ESTADAO -3/1/2013 Investigaç­ão. TCU notou ‘postura omissa’ da Infraero em concessões de terminais como Viracopos, Guarulhos e Brasília

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil