O Estado de S. Paulo

Roberto Farias 1932 = 2018

É ainda autor do maior filme do País no gênero policial, ‘Assalto ao Trem Pagador’, e da trilogia de Roberto Carlos

- Luiz Zanin Oricchio

Diretor de Assalto ao Trem Pagador e Pra Frente, Brasil, Roberto Farias morreu ontem, aos 86 anos, no Rio. Ele estava internado por causa de um câncer.

Quem pensa em Roberto Farias lembra logo do diretor daquele que é considerad­o o maior filme brasileiro de gênero policial – Assalto ao Trem Pagador. Roberto morreu na segunda, 14, aos 86 anos, e foi muito mais que isso, embora o filme, baseado em fatos reais, seja de fato um marco do nosso cinema. O cineasta estava internado no hospital Copa Star, em Copacabana, fazendo um tratamento contra um câncer de próstata diagnostic­ado havia cinco anos.

Nascido em Nova Friburgo em 27 de março de 1932, Roberto Figueira de Farias deixa um legado cinematogr­áfico dos mais consistent­es, abrangendo várias fases do cinema nacional. Dirigiu três chanchadas, quatro dramas, um filme com os Trapalhões, uma comédia de costumes (Toda Donzela Tem Um Pai Que É Uma Fera) e um documentár­io, O Fabuloso Fittipaldi.

Roberto foi também importante gestor do nosso cinema. Presidiu a Embrafilme e o Concine nos anos de chumbo do regime militar. E, por paradoxo, lançou um filme provocativ­o, Pra Frente, Brasil, em que seu irmão, o ator Reginaldo Faria, interpreta um homem preso por engano e submetido a torturas. Na época, 1982, o tema ainda era tabu e, mesmo tratado com todo cuidado, foi vetado pela censura e provocou a queda do então presidente da Embrafilme, o diplomata Celso Amorim.

Roberto nunca perdeu o gosto pela gestão de instituiçõ­es: foi um dos criadores e presidente da Academia Brasileira de Cinema, pensada nos moldes da Academia de Hollywood, com a finalidade de promover e premiar a indústria do cinema.

Como costumava dizer, aprendeu cinema na prática, no sistema old school, pré-Cinema Novo, que fazia os aspirantes a cineastas subir degrau a degrau na hierarquia do sistema produtivo até ganhar prestígio para dirigir seu primeiro longa. Roberto foi assistente de direção de uns dez filmes na Companhia Atlântica, até assinar, em 1957, o seu primeiro longa, Rico Ri à Toa. No ano seguinte fez No Mundo da Lua e, em 1961, Um Candango na Belacap.

Iniciou-se no gênero policial em 1960, com Cidade Ameaçada, e, em 1962, lançou Assalto ao Trem Pagador, de fato sua obraprima. Episódio real do noticiário policial, ganha as telas com interpreta­ções magníficas de Elieser Gomes como o bandido Tião Medonho, Grande Otelo em papel dramático e patético como o alcoólatra do bando, e Reginaldo Faria, interpreta­ndo um playboy da zona sul e autor intelectua­l do golpe. Além das grandes atrizes Ruth de Souza e Luisa Maranhão, amante e esposa como rivais no amor de Tião Medonho. Filme de ação e reflexão, incorpora os elementos sociais ao drama criminoso à maneira dos grandes filmes noir do cinema americano e francês. Só que este é brasileiro e carioca da gema.

O elemento social comparecer­ia também como propulsor de Selva Trágica, de 1963, que denuncia desigualda­des brutais no campo. O ambiente é o do cultivo da erva-mate, no qual os homens indefesos são explorados até o limite por uma companhia inescrupul­osa.

Roberto exercitou sua veia para o cinema popular na trilogia de Roberto Carlos (Em Ritmo de Aventura, 1968), (O Diamante Cor de Rosa, 1970), (A 300 Km por Hora, 1971). “Além de grande diretor, era uma pessoa de muitas qualidades, amável, espirituos­o”, disse o cantor Roberto Carlos sobre a morte do cineasta.

Roberto Farias era homem da indústria, visava ao sucesso de bilheteria e levou essa disposição até aos filmes de fundo social. Nesse sentido filmou um texto nascido clássico de Ariano Suassuna, Os Trapalhões no Auto da Compadecid­a. E também deu voz ao cansaço nacional com a ditadura nesse filme corajoso e narrado de maneira clara, Pra Frente, Brasil, cujo desempenho foi prejudicad­o pela censura.

Como quase todo cineasta brasileiro, Roberto sofreu com o desmanche da Embrafilme nos anos Collor e procurou formas de financiame­nto alternativ­os. Tinha um sonho que deixou irrealizad­o e sobre o qual conversou longamente com o Estado na ocasião. Queria filmar a história da passagem de Theodore Roosevelt pelo Brasil, mas a produção seria cara e não saiu. A história será agora filmada por Bruno Barreto em forma de série.

Com seu talento de criador e inventivid­ade de gestor, deixa uma marca importante no cinema brasileiro. E, sim, Assalto ao Trem Pagador é um filme para sempre. Um clássico.

O velório de Roberto Farias será amanhã, 15, no Memorial do Carmo, e o enterro, em Nova Friburgo.

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‘O Assalto ao Trem Pagador’ e Roberto Farias (abaixo)
PRODUÇÕES CINEMATOGR­ÁFICAS HERBERT RICHERS Grande Otelo. ‘O Assalto ao Trem Pagador’ e Roberto Farias (abaixo)
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ANDRÉ LUIZ MELLO/ESTADÃO - 22/4/2007

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