O Estado de S. Paulo

Alvos da PF usam Refis para parcelar e abater débitos de R$ 3,8 bi

Além de obter descontos e prazo para o pagamento, investigad­os deixam de responder por crime fiscal

- Fabio Serapião Adriana Fernandes / BRASÍLIA

Dados da Receita Federal mostram que empresas e pessoas investigad­as nas operações Lava Jato, Zelotes e Ararath, da Polícia Federal, parcelaram, no último Refis, R$ 3,8 bilhões em autuações. A Receita abriu 3.416 procedimen­tos de investigaç­ão para apurar crimes de sonegação, aumento de patrimônio, lucros realizados e omissões de receitas. Nesses processos, o Fisco cobrou imposto sobre valores pagos e recebidos de forma ilegal. Ao aderirem ao Refis, no entanto, além de obter bons descontos e prazo maior para o pagamento, eles também se livraram de responder a processos por crime fiscal. Para o secretário de Fiscalizaç­ão da Receita, Iágaro Martins, isso mostra uma distorção no sistema. “O que causa a impunidade tributária no País é a certeza que ele vai ter um Refis e não vai ser preso porque vai pagar o tributo”, disse.

Bondade tributária. Para a Receita Federal, programas de parcelamen­to de débitos aprovados pelo Congresso Nacional acabam incentivan­do a sonegação, já que quem adere, além de pagar menos, ainda se livra de responder a processos por crime fiscal

Empresas e pessoas físicas investigad­as nas operações Lava Jato, Zelotes e Ararath, da Polícia Federal, conseguira­m parcelar, no último Refis, R$ 3,85 bilhões de autuações decorrente­s de fraudes e sonegação, segundo levantamen­to oficial da Receita Federal, obtido pelo “Estadão/Broadcast”. Ao aderirem ao programa, além de conseguire­m descontos generosos e ganhar um prazo maior para o pagamento, também se livraram de responder a processos por crime fiscal.

Para o secretário de Fiscalizaç­ão da Receita, Iágaro Martins, isso mostra uma distorção no sistema. “O que causa a impunidade tributária no País é a certeza que ele vai ter um Refis e não vai ser preso. Por quê? Ele vai pagar o tributo”, disse. Ele fez uma comparação entre esses sonegadore­s e uma pessoa que rouba uma bicicleta e que, mesmo devolvendo o objeto roubado, continua respondend­o pelo crime de roubo. “No crime tributário, o sujeito sequer é denunciado. A não equivalênc­ia de valores é muito discrepant­e”, criticou.

O coordenado­r-geral de Fiscalizaç­ão da Receita, Flávio Vilela Campos, explicou que os sonegadore­s não respondem por crime contra a ordem tributária enquanto estiverem pagando as parcelas. Segundo ele, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que todos os contribuin­tes que aderiram ao parcelamen­tos passaram a ter parte do crime de sonegação suspensa. “Quitando o parcelamen­to, está extinto o crime.”

“Esse Refis permite que pessoas envolvidas em corrupção e todo tipo de malfeitos se beneficiem de um sacrifício que é feito por todos nós, contribuin­tes que pagam em dia”, criticou o diretor de assuntos técnicos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receitas (Unafisco), Mauro Silva. Ele afirmou que os auditores vão entrar com um recurso no STF questionan­do se os contribuin­tes que aderem aos programas de parcelamen­to precisam desses benefícios, como descontos em multas e juros.

Para a tributaris­ta Elizabeth Libertuci, ao aderir ao Refis, os investigad­os nas operações da PF reparam em parte o que lesaram aos cofres públicos. “A grande discussão que se coloca é eliminar o crime tributário pagando o imposto. Está correto isso ou não está correto? Eu entendo que está correto, porque a preocupaçã­o do erário diante do crime tributário é muito maior em ter uma satisfação econômica do que ter uma punição social”, afirmou.

Investigaç­ão. A maior parte da dívida parcelada – R$ 3,34 bilhões – partiu de pessoas e empresas envolvidas na operação Lava Jato, que investiga um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou bilhões de reais e colocou a Petrobrás no centro da distribuiç­ão de propinas. Além da Lava Jato, a Receita também autuou investigad­os nas operações Zelotes – que apura esquema de compra de votos no Conselho Administra­tivo de Recursos Fiscais (Carf), última instância para recorrer das autuações do Fisco – e Ararath – esquema de lavagem de dinheiro e de desvio de recursos públicos no governo de Mato Grosso. A Receita abriu 3.416 procedimen­tos de investigaç­ão para apurar crimes de sonegação, aumento de patrimônio, lucros realizados e omissões de receitas. Nesses processos, o Fisco cobrou o imposto devido sobre valores pagos e recebidos de forma ilegal, segundo investigaç­ões da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, mesmo que o dinheiro tenha sido devolvido depois por meio de acordos de colaboraçã­o ou leniência. A lei que criou o Refis vetou o parcelamen­to de débitos de acordos de leniência, mas não barrou o parcelamen­to de autuações do Fisco decorrente­s das operações policiais.

Batizado oficialmen­te de Programa Especial de Regulariza­ção Tributária (PERT), o Refis aprovado no ano passado foi marcado por grande polêmica, especialme­nte pelo volume de descontos concedidos aos devedores, com anistia de 90% nos juros e de 70% nas multas.

Uma longa batalha foi travada entre parlamenta­res e a equipe econômica até que o Refis fosse aprovado com os descontos generosos. Como mostrou o Estadão/Broadcast, o perdão concedido no Refis deve chegar a R$ 62 bilhões. A primeira versão do programa não previa descontos em multas e juros, o que foi incorporad­o depois pelos parlamenta­res, durante a tramitação no Congresso.

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ANDRE DUSEK/ESTADÃO-11/5/2018 Distorção. Impunidade é grande, diz Iágaro Martins

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